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Uma lacuna perigosa na defesa da vida
| Foto: Unsplash

Há um ano comentamos neste espaço sobre as medidas adotadas pelo Ministério da Saúde que abriam caminho para o afrouxamento das normas sobre aborto no país e seus riscos. Na época, mencionamos o perigo de o governo Lula revogar o manual lançado durante o governo de Jair Bolsonaro com orientações sobre aborto, e que definia que a interrupção da gravidez nos casos previstos em lei deveria ser feito até a 22ª semana de gravidez, uma vez que depois disso já há possibilidade de vida extrauterina. O documento era considerado um avanço importante em relação à defesa da vida, mas acabou retirado do site do Ministério da Saúde, e agora não há oficialmente uma orientação sobre até qual idade gestacional o aborto deve ser feito, o que facilita a realização do procedimento mesmo nos casos em que os bebês já estão bem desenvolvidos e poderiam sobreviver fora do útero materno.

Embora a legislação brasileira não estabeleça uma data limite para a realização do procedimento nos casos excepcionais em que a interrupção da gravidez não é punida, publicações do Ministério da Saúde normalmente traziam orientações a respeito, indicando que o tempo máximo para a realização de um aborto é de 22 semanas de gestação – recomendação também preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Essas normas, mesmo sem peso de lei, serviam como parâmetro para médicos e serviços de saúde em hospitais de todo o país.

Não se pode esperar que o atual Ministério da Saúde emita algum documento sobre o aborto contendo recomendações sobre a preservação da vida do nascituro.

O último manual desse tipo foi lançado em 2022, e explicava que após a 22ª semana de gestação, do ponto de vista médico, não há motivo para o aborto, uma vez que a criança já pode sobreviver fora do útero. O mesmo documento orientava que nos casos em que a interrupção da gravidez fosse realizada após a 22ª semana, o procedimento "não deveria ser precedido de morte fetal" – durante o aborto, normalmente o bebê é morto dentro do corpo da mãe antes de ser retirado. Na prática, o manual orientava que, após a 22ª semana, fosse realizado um parto antecipado em vez de um aborto, com o bebê sendo retirado vivo do corpo da mãe. Isso significava uma chance de vida para os bebês, que, se sobrevivessem, poderiam ser encaminhados posteriormente para a adoção.

Com a retirada do manual do ar, os defensores do aborto não encontram mais nem um entrave para promover o assassínio de bebês em idade gestacional avançada, como mostrou recente reportagem da Gazeta do Povo. Conforme apurou a reportagem, uma decisão do Tribunal de Justiça paulista (TJ-SP) emitida na semana passada, determinou a retomada da realização de “abortos legais”, sem limitação de idade gestacional no Hospital e Maternidade de Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da capital paulista.

Cabe à sociedade e aos nossos legisladores se organizar em defesa daqueles que não podem se defender.

O hospital havia interrompido em dezembro passado a realização de abortos, alegando que passaria a fazer outros tipos de procedimentos de saúde, como cirurgias eletivas. A Defensoria Pública abriu um processo para que o hospital voltasse a realizar abortos, e o juiz do caso concedeu uma limitar determinando a retomada dos trabalhos com “busca ativa” por pacientes que tiveram seu procedimento cancelado e proibindo a negativa de novos atendimentos. “O aborto legal constitui, logicamente, um direito, e a criação de obstáculos para sua realização, além de simbolizar retrocesso, representa grave violação aos direitos e à dignidade da mulher”, especifica a liminar, que erra gravemente ao considerar que existe “aborto legal” no país.

A falta de uma legislação e de normas sobre o assunto também são um risco para as políticas municipais e estaduais pró-vida, que se tornam dependentes da boa vontade do Judiciário, podendo ser inviabilizadas a qualquer momento por meio de uma decisão judicial. Um exemplo é o Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), que revogou uma lei municipal de Maceió prevendo orientações sobre os riscos do aborto às mulheres que buscam os serviços hospitalares. A recente legislação sancionada no estado de Goiás, que prevê a realização de ações de sensibilização sobre os riscos do aborto e orientação às mães que expressarem o desejo de interromper a gestação, incluindo a obrigatoriedade do fornecimento de exame de ultrassom, contendo os batimentos cardíacos do nascituro, também corre o risco de acabar sendo contestada na Justiça.

Não se pode esperar que o atual Ministério da Saúde emita algum documento sobre o aborto contendo recomendações sobre a preservação da vida do nascituro, quando esta é viável, ou que busca o pleno esclarecimento das mulheres sobre os riscos e consequências do procedimento. Muito mais condizente, aliás, seria que o MS se manifestasse contra qualquer iniciativa ou ação que possa representar um aceno em defesa da vida dos bebês em gestação. Assim, cabe à sociedade e aos nossos legisladores se organizar em defesa daqueles que não podem se defender, e lutar pela aprovação de uma legislação nacional capaz de dar mais segurança aos nascituros.

Em outubro de 2023, houve uma mobilização positiva nesse sentido, com ações que integraram movimentos pró-vida e parlamentares. Na época, o voto da então presidente do STF, Rosa Weber, em favor da ADPF 442, que pede a liberação do aborto no Brasil nas 12 primeiras semanas de gestação, funcionou como um sinal de alerta para os defensores da vida. Mas esta é uma luta que não pode arrefecer, pelo menos enquanto não houver uma legislação clara, que defenda e trate com o zelo e cuidado necessário tanto as mulheres grávidas quanto as crianças que ainda estão por nascer. Defender a vida não pode ser uma bandeira de ocasião.

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