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O ministro Alexandre de Moraes, do STF.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF.| Foto: Carlos Moura/SCO/STF.

“Ainda tem muita gente para prender e muita multa para aplicar.” Quem dera o Brasil pudesse ouvir uma frase dessas de alguma autoridade responsável por conduzir grandes operações de combate à corrupção. Ou, talvez, de algum secretário de Segurança Pública recém-nomeado por algum governador eleito, prometendo combater o crime com firmeza assim que for empossado em janeiro. Ou, ainda, de algum parlamentar que, conhecendo bem o enorme labirinto processual brasileiro, criado pelas leis aprovadas no Congresso Nacional, queira usar seu mandato para endurecer a lei contra a bandidagem, quem sabe lutando pela volta da prisão após condenação em segunda instância.

Afinal, o que não falta no Brasil é gente para prender e multa para aplicar. Somos o país dos 40 mil homicídios por ano, dos quais apenas uma pequena parcela é solucionada; dos assassinos identificados, só uma parte é capturada e levada a julgamento; dos réus, apenas parte é condenada; e, dos condenados, são raros os que cumprem integralmente sua pena. Se é assim nos crimes contra a vida, o que dizer de ladrões, assaltantes, estupradores ou traficantes? E quanto aos corruptos, também poucas vezes desmascarados, e dos quais é possível quase contar nos dedos os que estão atrás das grades?

Quando Moraes fala de “gente para prender”, ele se refere também a empresários que trocavam ideias pelo WhatsApp, parlamentares que manifestam seu desagrado com decisões do Supremo, ou formadores de opinião que lembram verdades inconvenientes sobre Lula

Mas não; quem afirmou que “ainda tem muita gente para prender e muita multa para aplicar” foi o ministro Alexandre de Moraes, integrante do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Falava em um seminário intitulado “STF em ação”, que teve painel cujo tema era “O guardião da Constituição e a harmonia entre os poderes”. Portanto, homicidas, ladrões, assaltantes, estupradores, traficantes e corruptos podem respirar aliviados. Eles seguirão se beneficiando de estruturas de investigação sucateadas; de audiências de custódia e todo tipo possível e imaginável de garantismo penal; de indultos, “saidinhas” e progressões de regime; do labirinto processual que, bem navegado, garante que um réu jamais veja o sol nascer quadrado; de decisões de tribunais superiores que revertem jurisprudência e anulam processos, mesmo passados vários anos, por tecnicalidades ou suspeições inventadas na hora, ou que libertam um traficante flagrado com quase 200 quilos de cocaína porque ele tinha “bons antecedentes”.

Quem precisa ter medo são aqueles que andam cometendo “crimes de opinião”, “crimes de cogitação” ou “ataques à democracia”. E aqui é preciso fazer uma ressalva importante. Não negamos a possibilidade de agressões reais à democracia, nem que haja pessoas que efetivamente desejam e defendem uma ruptura institucional ou golpe de Estado, e até mesmo possam estar trabalhando para isso de uma forma ou de outra; nesses casos, a investigação e a punição se justificam. O problema não é este; o problema é a repressão injustificada a meras críticas feitas ao Supremo ou ao TSE, elevadas à categoria de “ataques” por quem delas discorda. Entre os presos e perseguidos com outros tipos de medidas cautelares está gente “perigosíssima” que diz privadamente o que pensa ou que se atreve a, horror dos horrores!, fazer alguma “manifestação crítica aos poderes constitucionais”.

E pouco importa se tal “manifestação crítica” é protegida pela lei, ou que a liberdade de expressão seja garantia constitucional; basta uma canetada de Moraes para que essas pessoas percam o direito ao juiz natural, ao devido processo legal, fiquem sujeitas a censura e a outras medidas completamente desproporcionais, mal consigam saber pelo que são investigadas ou do que são acusadas. Pois o histórico de Moraes mostra que, quando fala de “gente para prender” ou para multar, ele se refere também a brasileiros como os empresários que trocavam ideias em um grupo privado de WhatsApp, ou parlamentares que manifestam seu desagrado com decisões do Supremo, ou formadores de opinião que lembram algumas verdades inconvenientes sobre Lula. Assim, temos um recado bastante claro: o arbítrio não vai acabar. E para esses não haverá militantes do “desencarceramento”, nem o discurso de “o Brasil prende muito e prende mal”.

Ficou famosa a intervenção do então vice-presidente Pedro Aleixo, enquanto Costa e Silva e seu gabinete discutiam o AI-5: “O problema é o guarda da esquina”. Com isso, Aleixo dizia que sua preocupação maior eram aqueles agentes públicos anônimos que julgavam ter respaldo – da lei ou dos superiores – para poder cometer qualquer arbitrariedade. Que Aleixo tinha razão o sabemos pela longa tradição que vai dos “meganhas” da ditadura aos policiais que caçavam brasileiros em praias desertas durante a pandemia. Mas o que temos agora é ainda pior: autoridades que ocupam os principais cargos do Judiciário imbuídos da mentalidade de “guarda da esquina”, que julgam poder fazer o que bem entenderem, fazendo assim definhar a democracia que eles consideram estar defendendo.

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