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Editorial

Alexandre de Moraes não aceita ser contrariado

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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. (Foto: EFE/Isaac Fontana)

O protagonista de uma das imagens mais famosas do 8 de janeiro se viu, nos últimos dias, no centro de uma controvérsia que mostrou, mais uma vez, o quão inflados andam os egos de alguns dos responsáveis por “defender a democracia” no Brasil. Trata-se de Antônio Cláudio Alves Ferreira, o homem que vandalizou um relógio do século 18 no Palácio do Planalto. A peça histórica foi um presente da corte francesa e tinha sido trazida ao Brasil em 1808 pelo rei Dom João VI, no episódio em que a família real portuguesa fugiu das tropas de Napoleão Bonaparte.

Ferreira cumpria pena de 17 anos em um presídio de Uberlândia (MG), tendo sido condenado pelo “pacote completo” do 8 de janeiro – associação criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União. No dia 19, ele passou do regime fechado para o semiaberto por decisão do juiz da Vara de Execuções Penais de Uberlândia, Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro, sob a alegação de que Ferreira já havia cumprido a parte da pena necessária para obter a progressão e exibia bom comportamento. No dia seguinte, entretanto, Alexandre de Moraes ordenou que Ferreira fosse preso novamente.

Estamos diante de um magistrado que considera os próprios votos e decisões o suprassumo da defesa de democracia, a manifestação infalível do bem, da verdade e da justiça

Na ordem de prisão, Moraes afirmou que a primeira instância não tinha competência para decidir sobre a execução de pena em um processo que correu no Supremo, e que a conta do tempo de prisão necessário para a progressão de regime estava errada, porque Ferreira havia sido condenado por crime cometido “com violência ou grave ameaça a pessoa” ou envolvendo “organização criminosa”, como diz o artigo 112 da Lei de Execução Penal – Ferreira, portanto, teria de ter cumprido 25% da pena, e não 16%, em regime fechado antes de passar para o semiaberto. Ainda que os argumentos façam sentido, como de fato parecem fazer, teria bastado a Moraes revogar a ordem de primeira instância, ordenar que o condenado voltasse para a cadeia e seguir em frente. Mas não: o ministro do STF ainda determinou a abertura de uma investigação contra o juiz Migliorini.

O ministro é reincidente nesse tipo de prática: em maio de 2024, o juiz paranaense José Jácomo Gimenes havia condenado a União a indenizar o ex-deputado estadual Homero Marchese, indevidamente censurado por ordem de Moraes e vítima de um “erro procedimental” que manteve sua principal conta em mídias sociais bloqueada por seis meses, enquanto outros de seus perfis já tinham sido restabelecidos. No mês seguinte, Moraes cassou a decisão de Gimenes – embora neste caso não houvesse nenhum conflito de competência, pois se tratava de ações diferentes – e mandou que ele fosse investigado.

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Os casos de Migliorini e Gimenes indicam que estamos diante de um magistrado que considera os próprios votos e decisões o suprassumo da defesa de democracia, a manifestação infalível do bem, da verdade e da justiça em forma de negritos, caixas altas, exclamações e frases de efeito. Diante de tanta perfeição, ninguém, em sã consciência, haveria de encontrar – muito menos apontar publicamente – algum erro, nem mesmo alguma inconsistência nos papéis assinados por aquela caneta suprema. Portanto, se alguém ousa questionar os dicta de Moraes, só pode estar movido por uma extrema desonestidade, má-fé, desejo de afronta ou de vingança contra o supremo ministro; e, sendo assim, pode-se – deve-se – até mesmo presumir todas essas intenções espúrias (quando não criminosas) por parte de quem quer que conteste as decisões de Moraes. O diagnóstico é claro: mezzo megalomania, mezzo paranoia.

Não surpreende, portanto, a revolta plenamente justificada de juristas com a ordem para que Migliorini seja investigado. O próprio juiz mineiro já veio a público se penitenciar por seu “lamentável equívoco” – e é disso mesmo que se trata, um erro; talvez seja um erro bastante primário, mas que de forma alguma justificaria uma tempestade dessas dimensões, armada única e exclusivamente com base em uma absurda presunção de um ilícito, sem que haja uma única evidência a apoiar tal ilação – o que há é apenas um ego ferido. Felizmente, no caso do juiz Gimenes, o Conselho Nacional de Justiça, por meio de seu corregedor, arquivou a reclamação de Moraes, classificando a decisão favorável à indenização como “mera expressão do seu [Gimenes] livre convencimento”. Que o desfecho desse novo arroubo de Moraes seja idêntico, para que não tenhamos magistrados (de que instância forem) considerando-se semideuses.

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