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O caso de quebra de sigilo fiscal de Verônica Serra, filha do presidenciável tucano José Serra; do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, e de outras três pessoas ligadas ao partido, por funcionários da Receita Federal é algo que precisa ser rigorosamente investigado e punido de forma exemplar. O episódio é grave, fere o direito à vida privada e à intimidade das pessoas, garantido pela Constituição Federal em seu art. 5.°, inciso X, e indica a necessidade de se estabelecer um controle maior sobre a atuação de servidores que trabalham na Receita Federal.

Embora os casos divulgados possam sugerir uma orquestração de setores do PT contra o seu maior rival político atual, não há provas que demonstrem motivação política no vazamento de dados fiscais dos dirigentes tucanos. O mais importante ao tratar deste caso, entretanto, não é a discussão política partidária sobre os culpados ou os interessados no vazamento, mas sim discutir os rumos que a Receita Federal vem tomando, com dificuldades de controle sobre os dados dos contribuintes que veem sua intimidade fiscal ameaçada pelo comportamento de funcionários dispostos a venderem informações a respeito deles. Se a quebra de sigilo for tratada de forma leviana, corre-se o risco de o país seguir em direção para se tornar um Estado policial.

Depois de o caso da violação de informações fiscais de Eduardo Jorge e outros três integrantes da direção tucana ter sido divulgado há alguns dias, nesta semana veio a confirmação de que a filha de Serra também teria tido seu sigilo fiscal quebrado. O fato, inclusive, ofuscou a divulgação de relatório da Corregedoria da Receita Federal, que acusou anteontem formalmente mais duas servidoras públicas que trabalham na Receita, por suspeita de participar do esquema de violação das informações fiscais dos tucanos. Todo esse caso serve de alerta à sociedade para a necessidade de investigação e de transparência sobre os resultados que dela sobrevierem.

Ressalte-se que o problema não é novo. Em 2006, o caseiro do então ministro da Fazenda An­­tonio Palocci, Francenildo Santos Costa, teve seu sigilo bancário quebrado. Na ocasião, tentava-se desconstruir o depoimento prestado por Fran­­cenildo, que acusava Palocci de realizar negociações suspeitas com ex-assessores da prefeitura de Ri­­beirão Preto, ao divulgar que o caseiro havia re­­cebido dinheiro de um empresário nordestino.

O Estado não pode ser usado por seus funcionários para o cometimento de crimes contra a população. Não importa se a quebra de sigilo ocorreu por servidores somente com o fim de vendê-los a eventuais interessados, ou, se houve motivação política no ato. Essa instrumentalização do Estado para fins próprios não combina com um país que quer deixar para trás seu passado de regime autoritário e que se pretende um Estado Democrático de Direito e republicano.

Mesmo que as investigações da Corregedoria da Receita e do Ministério Público concluam pela inexistência de motivação política para a quebra de sigilo dos dirigentes tucanos, não se pode desconsiderar que o aparelhamento do Estado por grupos políticos está contribuindo para a proliferação de situações como essa, pois acaba possibilitando que órgãos cuja atuação deveria ser "neutra" e republicana – conferindo um tratamento igualitário a todos os cidadãos – possam ser usados de forma arbitrária para satisfação de interesses escusos.

É preciso reverter essa tendência de "partidarização" do Estado. A estrutura da administração pública brasileira, com mais de 20 mil cargos comissionados, certamente, não contribui para isso. As instituições públicas – que deveriam ser regidas pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme determina a Constituição Federal – se tornam refém do apadrinhamento político, das negociações por apoios partidários e, agora, como se observa no episódio da quebra de sigilo fiscal de dirigentes tucanos, de funcionários do Estado dispostos a violar direitos dos cidadãos mediante pagamento em dinheiro. Além da punição de todos os envolvidos no caso, parece necessário que sejam criados dispositivos legais que prevejam punições rigorosas tanto para funcionários que violem o sigilo fiscal dos contribuintes, como dos beneficiários desses dados.

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