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Caged janeiro
Geração de empregos em janeiro de 2023 cai pela metade na comparação com o mesmo mês de 2022 de acordo com dados do Caged.| Foto: Albari Rosa/aquivo Gazeta do Povo

Na melhor linha “para quem só tem um martelo, todo problema é prego”, o governo federal já tem um culpado pelo desempenho mais fraco do mercado de trabalho em janeiro de 2023: o Banco Central e a atual taxa de juros. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados apontou a abertura de 83,3 mil vagas com carteira assinada – aproximadamente metade dos 167,3 mil postos de trabalho criados no primeiro mês do ano passado. Ao anunciar os resultados, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, até citou o caso das Lojas Americanas e o endividamento das famílias, que reduz o consumo, mas guardou a crítica mais contundente para o Banco Central: “janeiro é tradicionalmente um mês forte. Em janeiro de 2023, temos uma política monetária ainda restritiva. O BC tem uma tarefa importante de monitorar o processo econômico para a retomada da economia. Os juros altos sacrificam demasiadamente a população de baixa renda do país”, afirmou Marinho.

No ritmo atual, surpreende que o governo ainda não tenha culpado a Selic por todos os demais indicadores fracos ou negativos do país, como o desmatamento recorde na Amazônia e no Cerrado para um mês de fevereiro. Mas escolher o Banco Central, sua autonomia e seu presidente, Roberto Campos Neto, como o vilão é uma loucura que tem método. Isso porque juros altos efetivamente colocam um freio nos investimentos que gerariam emprego e renda; como essa relação causa-efeito é relativamente fácil de estabelecer, realça-la é o recurso propagandístico mais simples à disposição do governo, bastando com isso omitir todas as outras relações de causa e efeito que regem a economia – a começar pela própria inflação, que insiste em não retroceder e leva o Copom a uma política monetária contracionista, já que a missão primária do Banco Central é justamente manter a inflação em níveis aceitáveis.

Se o governo quer juros baixos para estimular as empresas a aumentar seus quadros, precisa parar de deixar o Copom sozinho e assumir sua parte, criando as condições para que a Selic caia sem que a inflação fique descontrolada

A inflação, no entanto, não é a única causa do recente ciclo de elevação dos juros. O BC age porque tem sido deixado praticamente sozinho. As PECs dos Precatórios, dos Benefícios e fura-teto mostraram o descaso de Executivo e Legislativo com a saúde fiscal do Brasil, puxando a corda na direção diametralmente oposta àquela que o Copom, em seus comunicados, insistentemente apontava como necessária para que pudéssemos voltar a um ciclo de queda dos juros. Sem reformas estruturantes e sem ajuste fiscal, a única forma de segurar a desvalorização do real e frear a inflação é a política monetária.

E um exercício interessante é colocar a série recente de elevação de juros ao lado de outros números, como o Indicador Antecedente de Emprego (IAEmp), da Fundação Getulio Vargas. Esse índice, diz a instituição, “tem por objetivo antecipar os principais movimentos do mercado de trabalho no Brasil, com base em dados extraídos das Sondagens Empresariais e do Consumidor produzidas pelo FGV IBRE”. O indicador, que funciona com base 100 (valor correspondente a junho de 2008, quando ele surgiu), vinha em elevação, passando de 75,0 em março de 2022 para 83,8 em setembro – no mesmo intervalo de tempo, o Copom elevara a Selic em dois pontos porcentuais, de 11,75% para os atuais 13,75%, ou seja, o aperto monetário não estava afetando as expectativas para o mercado de trabalho da forma como Luiz Marinho quer fazer crer. Mas bastaram dois meses para o IAEmp recuar dez pontos, caindo para 73,1 em novembro de 2022 (no dado mais recente, de fevereiro de 2023, o indicador está em 74,7). Mera coincidência, ou preocupação com a perspectiva de um governo que prometia reverter o máximo possível de medidas de seus antecessores, inclusive a reforma trabalhista?

Pois grande parte do que se sabe até agora a respeito do governo Lula é isso: o desejo de destruir o legado dos antecessores. Do novo arcabouço fiscal não se sabe nada além de promessas de que agradará a todos; a reforma tributária aparece mais em discursos que em um esforço concreto do governo no Congresso; e o ministro do Trabalho, quando não está criticando o Banco Central ou a reforma trabalhista, só pensa na regulamentação de aplicativos e em dificultar o acesso do brasileiro ao FGTS, e não em políticas públicas para fomentar a geração de emprego – pior ainda: ele acredita que basta reaquecer a economia e o problema do desemprego se resolverá por conta própria, como se o Estado brasileiro não colocasse uma série de obstáculos às contratações. Se o governo quer juros baixos para estimular as empresas a aumentar seus quadros, precisa parar de deixar o Copom sozinho e assumir sua parte, criando as condições para que a Selic caia sem que a inflação fique descontrolada. Difícil, no entanto, é acreditar que este governo será capaz de fazer a coisa certa.

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