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O relógio da política nem sempre é o mesmo que marca o tempo das urgências nacionais. Nunca antes, porém, na história deste país ficou tão clara a necessidade de sincronizar o tempo político para, rapidamente, devolver ao país o ambiente de normalidade legal e institucional necessário para tirá-lo da paralisia. Por isso, após a acachapante votação da Câmara que admitiu, no último domingo, a continuidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, cabe agora ao Senado cumprir com agilidade a sua parte.

Tal obviedade exigiria do presidente do Senado, Renan Calheiros, tomar as providências ritualísticas dentro dos prazos mínimos – e não máximos – estipulados pela Constituição, pelas recomendações do Supremo, pelos regimentos e pela lei específica de 1950 que regulamenta a liturgia dos afastamentos presidenciais por crime de responsabilidade. Mas Calheiros, aliado do governo, já deu, de forma absurda e irresponsável, os primeiros sinais em sentido contrário. Seu relógio parece ser tão lento quanto convém aos estrategistas da defesa do mandato de Dilma e da sobrevivência do PT.

Não é improvável que o país tenha de aguentar por mais dias ou semanas o estado de agonia em que se encontra

Os ponteiros deveriam começar a se movimentar já nesta terça-feira, com a definição dos critérios da Comissão Especial do impeachment e imediata escolha de seus membros. De acordo com as regras, após a indicação dos nomes, a comissão teria até 48 horas para iniciar seus trabalhos – o que poderia ocorrer já nesta sexta-feira. Mas o presidente do Senado preferiu agradar ao Planalto, deixando para segunda-feira a instalação do colegiado formado por 21 titulares e 21 suplentes – e isso apenas por pressão da oposição, pois a intenção inicial era instalar a comissão na próxima terça-feira. A eleição do presidente e do relator poderia ocorrer no mesmo dia – mas não está fora do radar governista, sem contestação de Calheiros, a possibilidade regimental de se usar mais um prazo de 48 horas. Afinal, o objetivo é arrastar o processo por quanto tempo for possível.

A comissão terá dez dias para apreciar o processo de admissibilidade aprovado pela Câmara e para elaborar parecer a ser votado pelo plenário da Casa, abrindo-se novos prazos para acusação e defesa, tal como ocorreu entre os deputados. Ao fim, se assim decidir a maioria simples dos 81 senadores, Dilma Rousseff terá de se afastar da Presidência pelo prazo máximo de seis meses, período durante o qual o cargo será interinamente ocupado por Michel Temer.

Em condições normais, todo este procedimento poderia estar finalizado no início de maio – mesmo porque o Senado cumpre uma função claramente redundante ao papel já finalizado na Câmara dos Deputados. Seria esta uma razão a mais para que Calheiros, consciente desta redundância não prevista na Constituição e na legislação de 1950, mas introduzida pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro passado, trabalhasse no sentido de dar celeridade ao processo. Mas não é improvável que o país tenha de aguentar por mais dias ou semanas – fala-se, agora, em votar o afastamento da presidente em 17 de maio – o estado de agonia em que se encontra. Dilma já não governa, pois só pensa em sua defesa. Cargos-chave ficam vagos. O apoio na Câmara é inexistente, inviabilizando a aprovação de qualquer projeto de interesse do governo.

O país está parado, mas isso parece não importar a Renan Calheiros – mais importante é garantir ao Planalto tempo para se articular e, quem sabe, implantar no Senado o feirão de cargos, talvez recorrendo novamente ao ex-presidente Lula. Calheiros zomba do país ao seguir o relógio das conveniências fisiológicas e grupais, em vez do relógio da urgência com que o país precisa se livrar das amarras e seguir avante.

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