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Presidente Lula conversa com os presidentes da Câmara, Arthur Lira e do Senado, Rodrigo Pacheco.
Presidente Lula conversa com os presidentes da Câmara, Arthur Lira e do Senado, Rodrigo Pacheco.| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Ao contrário de crises institucionais recentes, que esgarçaram a relação entre poderes, a mais nova disputa com potencial de paralisar o funcionamento da República é uma batalha interna por poder. Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), estão subindo o tom e deixando cada vez mais distante uma solução negociada sobre o rito que deve ser seguido para que o Congresso analise as medidas provisórias editadas desde o início do mandato do presidente Lula – a solução, ao que tudo indica, acabará vindo, mais uma vez, do Supremo Tribunal Federal.

A Constituição Federal é bastante clara em seu artigo 62, que trata das medidas provisórias, quando afirma, no parágrafo 9.º, que “caberá à comissão mista de deputados e senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional”. Durante a pandemia de Covid-19, com a impossibilidade das reuniões presenciais, adotou-se um outro rito, em caráter extraordinário, pelo qual as MPs iam diretamente ao plenário, primeiro da Câmara e, depois, do Senado. O modelo adotado durante a pandemia reforçou o poder dos deputados e, especialmente, do presidente da casa, e por isso Lira tem todo o interesse em mantê-lo; já Pacheco quer a volta da regra constitucional, que a Câmara critica por colocar em pé de igualdade uma casa com 513 parlamentares e outra com 81, já que as comissões mistas têm número idêntico de deputados e senadores.

A desobediência de Lira extrapola o campo da disputa política e entra no campo da inconstitucionalidade flagrante, que ainda por cima tem a capacidade de paralisar totalmente o Congresso à medida que as MPs começarem a trancar a pauta do parlamento

Analisando-se apenas a letra fria da lei, há de se dar razão a Pacheco. A emergência sanitária da Covid-19 foi formalmente encerrada em abril de 2022, e o Congresso já voltou ao seu funcionamento normal há um bom tempo – diante disso, mesmo a decisão de manter a tramitação das últimas MPs editadas por Jair Bolsonaro pelo modelo da pandemia já é uma concessão à Câmara, e o natural seria que o parágrafo 9.º do artigo 62 da Carta Magna voltasse a vigorar em sua plenitude. No entanto, por mais que Lira esteja equivocado a esse respeito, Pacheco forçou a mão quando, na semana passada, decidiu instalar as comissões mistas por conta própria, após requerimento do senador Renan Calheiros (MDB-AL), adversário político de Lira em Alagoas – a questão de ordem também foi assinada por outros senadores, incluindo notórios governistas como Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Ainda que as negociações fossem extremamente difíceis diante da resistência do presidente da Câmara, e ainda que não seja conveniente deixar o Congresso refém de Lira nesta questão, Pacheco acabou queimando os navios com sua atitude. E Lira respondeu escalando ainda mais a tensão, prometendo que a volta das comissões mistas “não vai andar um milímetro na Câmara” – para isso, basta que a casa não indique os deputados que participariam desses colegiados. Antecipando esse tipo de movimento, o senador Alessandro Vieira (PSDB-CE) já havia ingressado com mandado de segurança no Supremo exigindo que o rito constitucional fosse cumprido.

Ao menos neste caso, é verdade, não se trata daquela costumeira judicialização da política em que o lado perdedor em uma disputa busca o STF para vencer no tapetão, pois realmente está em jogo o cumprimento da Carta Magna. Seria muito razoável que o STF obrigasse Lira a não emperrar o andamento das MPs, pois sua desobediência extrapola o campo da disputa política e entra no campo da inconstitucionalidade flagrante, que ainda por cima tem a capacidade de paralisar totalmente o Congresso à medida que as MPs começarem a trancar a pauta do parlamento. Uma decisão do STF nesse sentido, aliás, seria o sonho de Lula, pois destravaria a tramitação das suas MPs (uma das quais, por exemplo, reorganiza todo o governo federal) sem que ele precisasse tomar lado ativamente, já que tanto Lira quanto Pacheco são aliados do Planalto – Lira diz ter o apoio do Executivo, mas por outro lado o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), apoiou o requerimento que pedia a Pacheco a instalação das comissões mistas.

Independentemente do desfecho, qualquer solução imposta de fora será insuficiente para acalmar os ânimos e permitirá prever novas investidas do lado derrotado, a não ser que algo force Lira e Pacheco a voltar à mesa. A história recente tem um caso de entendimento: após episódios em que deputados aprovavam MPs apenas poucos dias antes de caducarem, dando aos senadores um tempo mínimo (às vezes, de poucas horas) para analisarem os textos, Câmara e Senado trabalharam para acertar prazos racionais de tramitação de MPs na comissão mista e em cada casa; a PEC 91/2019, no entanto, está represada na Câmara após o Senado ter feito algumas alterações. O que salta aos olhos, no caso atual, é que a Constituição impõe apenas a existência da comissão mista; todo o resto, incluindo seu caráter paritário, está previsto em normas regimentais do Congresso facilmente modificáveis desde que haja bom senso e boa vontade. Mas esses são justamente os itens mais escassos em Brasília nos dias que correm.

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