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O presidente Lula e o ministro da Justiça, Flávio Dino, em lançamento do Programa de Ação na Segurança (PAS).| Foto: Ricardo Stuckert/PR

Depois de anunciar, na sexta-feira, o autointitulado “pacote da democracia”, o governo Lula enviou ao Congresso Nacional os prometidos projetos de lei, com o objetivo declarado de endurecer o combate aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, aumentando penas, permitindo novas hipóteses de bloqueio de bens e instituindo novos crimes, com destaque especial para o uso de violência para “impedir o livre exercício das funções” de autoridades como o presidente da República e ministros do Supremo Tribunal Federal.

O Projeto de Lei 3.611/2023 altera vários pontos do Código Penal em seu Título XII, dito “Dos crimes contra o Estado Democrático de Direito”. Alguns crimes ganham agravantes com elevação de pena, por exemplo no caso de atos cometidos por funcionários públicos ou para quem “exercer a liderança ou o comando ou organizar a prática do crime (...), ainda que não pratique pessoalmente os atos de execução”. O PL 3.611 também cria os crimes de incitação e financiamento de golpes de Estado ou de atos que tentarem abolir o Estado Democrático de Direito. Mas é outra inovação a que tem causado mais controvérsia. O governo ainda pretende inserir no Código Penal o artigo 359-M-C, que criminaliza o ato de “tentar impedir o livre exercício das funções, mediante violência ou grave ameaça, do presidente da República, do vice-presidente da República, do presidente do Senado Federal, do presidente da Câmara dos Deputados, dos ministros do Supremo Tribunal Federal, dos ministros de Estado ou do Procurador-Geral da República”, com pena de reclusão de 4 a 8 anos, “além da pena correspondente à violência”.

O país ganharia muito mais em termos de defesa da democracia e do Estado de Direito se as autoridades se empenhassem fortemente em restabelecer o império da lei; e em cessar os abusos contra a liberdade de expressão e o devido processo legal

Para além do debate sobre as circunstâncias em que é razoável cristalizar em lei uma proteção especial a uma autoridade, e em que sentidos essa proteção deve ser levada a cabo, é de se questionar a própria conveniência de um projeto de lei com este teor. Há nele, por exemplo, redundâncias – como o caso do novo crime de incitação, que seria desnecessário, bastando a aplicação do artigo do já existente artigo 286 do Código Penal, inclusive contemplando líderes ou comandantes dos eventuais crimes – que o tornam desnecessário em muitos pontos. O maior problema, hoje, reside na enorme confusão conceitual que começou com o “apagão da liberdade de expressão” causado pelos inquéritos abusivos no STF e que já se espalhou para diversos outros ramos do debate público.

Afinal, este é o país onde a crítica legítima a uma autoridade ou instituição é frequentemente chamada de “ataque”, algo de natureza totalmente diversa e muito mais grave; onde o ministro da Justiça, um dos entusiastas dos projetos de lei ora apresentados, classifica um xingamento a um ministro do Supremo como uma agressão à democracia; onde se pretendeu incluir entre os “autores intelectuais” do 8 de janeiro pessoas que não tinham a menor relação com a invasão da Praça dos Três Poderes, simplesmente porque defendiam esta ou aquela interpretação da Constituição; onde o presidente da República nega carta de cidadania a quem lhe faz oposição. Enfim, este é o país onde os termos ganham o significado que o dono da caneta decidir, ainda que seja diametralmente contrário a seu significado real.

O país ganharia muito mais em termos de defesa da democracia e do Estado de Direito se as autoridades se empenhassem fortemente em restabelecer o império da lei; em cessar os abusos contra a liberdade de expressão e o devido processo legal; em recuperar as noções mais básicas a respeito da diferença entre os vários tipos de discurso e da proteção constitucional conferida a eles; em não confundir (intencionalmente ou não, tanto faz) os indivíduos com as instituições a que pertencem, muito menos personalizar conceitos abstratos em seres concretos. Este, sim, seria um “pacote da democracia” digno do nome.

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