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O ciclo de aperto ainda longe do fim
| Foto: Marcelo Andrade/Aquivo/Gazeta do Povo/Arquivo

Da última vez que o Brasil teve juros básicos na casa dos 6%, no período que começou em fevereiro de 2018 e foi até setembro de 2019, a Selic estava em rota decrescente, com um intervalo de estabilidade que durou pouco mais de um ano, quando a taxa estacionou em 6,50%. Antes disso, havia ocorrido um ciclo de queda iniciado com a cassação de Dilma Rousseff, em agosto de 2016; e, depois, os juros voltaram a cair até chegarem à mínima história de 2% ao ano, mantida até março deste ano. Foi uma época marcada por algumas importantes reformas macroeconômicas, como o teto de gastos e a reforma da Previdência, e de inflação relativamente sob controle – o IPCA foi de 2,95% em 2017, 3,75% em 2018, 4,31% em 2019 e 4,52% em 2020.

A Selic, portanto, volta à casa dos 6% – mais precisamente, 6,25%, com o aumento de um ponto porcentual na reunião do Copom encerrada na quarta-feira – em um contexto completamente diferente. A inflação está fora de controle, beirando os 10% no acumulado de 12 meses e sem perspectivas para retornar a níveis toleráveis no futuro próximo, pois segue pressionada por dois itens que têm efeito sobre muitos outros preços: a energia elétrica, que seguirá cara por um bom tempo, graças à crise hídrica; e os combustíveis, em alta graças ao real desvalorizado e aos preços ascendentes do petróleo no mercado internacional. A deterioração é tão acentuada que, no comunicado divulgado ao fim da última reunião, na quarta-feira, as projeções de inflação para 2021 eram dois pontos porcentuais maiores que aquelas do comunicado anterior, da reunião realizada no início de agosto.

A mesma taxa de juros que, em um passado não muito distante, bastou para domar a inflação já não será suficiente para atingir este objetivo agora

E é na comparação dos sucessivos comunicados que se percebe pouquíssima mudança naquele fator que poderia ajudar o Banco Central a manter a inflação sob controle sem ter de elevar tanto os juros: a responsabilidade fiscal. Trechos como “perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia” e “questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia” vêm sendo apenas copiados e colados, comunicado após comunicado, há mais de um ano, revelando que pouco ou nada foi feito neste sentido. Desde o surgimento da pandemia, um novo trecho somou-se às presenças habituais nos comunicados: “novos prolongamentos das políticas fiscais de resposta à pandemia que pressionem a demanda agregada e piorem a trajetória fiscal podem elevar os prêmios de risco do país”.

Em outras palavras: antes da pandemia, já havia dúvidas sobre a continuidade do processo reformista depois da aprovação da reforma da Previdência; depois do coronavírus, a magnitude dos gastos – necessários, sempre é preciso dizer – para mitigar os efeitos econômicos da quebradeira e do empobrecimento da população tornava ainda mais urgente a retomada do ajuste fiscal e das reformas assim que houvesse a oportunidade. Em vez disso, governo e Congresso buscam formas de aumentar gastos em vez de reduzi-los, e as reformas perdem força: a administrativa, que poderia ser um excelente meio de conter o gasto público, vem sendo lentamente demolida substitutivo após substitutivo, cheia de concessões ao corporativismo.

Isso significa que a mesma taxa de juros que, em um passado não muito distante, bastou para domar a inflação já não será suficiente para atingir este objetivo agora, até porque o Copom já promete, para a próxima reunião, novo aumento de um ponto na Selic. E não há como culpar apenas a falta de chuvas ou o cartel internacional que faz os preços do petróleo: também os humores em Brasília, hoje mais gastadores e populistas que outrora, colabora para minar a confiança na capacidade de o país adotar trajetória fiscal responsável e fortalecer sua moeda, passo essencial para trazer de volta a inflação para dentro da jaula.

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