O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central resistiu, mais uma vez, à gritaria governista e resolveu manter a taxa Selic nos atuais 13,75%, deixando para o segundo semestre a possibilidade de iniciar um ciclo de afrouxamento monetário. Apesar de o cenário atual ser ligeiramente diferente daquele em que ocorreram as reuniões anteriores do Copom, os membros do colegiado optaram por uma cautela justificada diante do que vêm chamando, em seus comunicados, de “desancoragem das expectativas” de inflação, ou, em outras palavras, da ainda persistente falta de confiança na capacidade brasileira de administrar bem os recursos públicos.
Ainda que a decisão do Copom tenha sido unânime, e que as expectativas do mercado financeiro também apontassem para a manutenção da Selic em vez de um corte, desta vez uma decisão que reduzisse os juros não poderia ser classificada como irresponsável ou inconsequente. Entre os fatores que facilitariam uma redução na Selic estão a menor pressão inflacionária, uma desaceleração da economia que já aparece no horizonte – o crescimento do PIB no primeiro trimestre, como lembra o Copom, foi devido a um desempenho extraordinário do agronegócio –, o ambiente externo está ligeiramente mais benigno e aos poucos a nova âncora fiscal proposta pelo governo avança no Congresso.
Se o mesmo esforço que o petismo gasta para atrapalhar Campos Neto fosse usado para oferecer ao país uma pauta econômica responsável, já teríamos mais condições para queda dos juros há muito mais tempo
No entanto, também havia motivos igualmente relevantes para que o Copom tomasse a decisão que tomou, já que continua a haver incerteza quando ao próprio conteúdo do arcabouço fiscal – o Senado, ao aprovar o texto, deixou-o ainda mais frouxo ao ampliar exceções à regra – e à sua capacidade de reduzir a dívida pública. O governo continua elevando seus gastos, e registrou a terceira alta trimestral seguida, pelos dados do IBGE, reduzindo a margem para uma Selic menor. Além disso, ainda há muita dúvida a respeito do formato final da reforma tributária, que pode desonerar bens e elevar a taxação dos serviços, com possíveis efeitos inflacionários. Ao colocar tudo isso na balança, prevaleceu a precaução, aguardando que o Congresso defina ambos os textos para que se possa analisar melhor seus efeitos sobre a economia como um todo e especialmente sobre a inflação.
O governo, como era de se esperar, não reagiu bem. Na Itália, Lula disse que o Banco Central deve “explicações”, ignorando que explicações são aquilo que o Copom, o BC e seu presidente mais têm dado, seja nos comunicados, nas atas e nas ocasiões em que Roberto Campos Neto é chamado a se pronunciar. O presidente ainda espalhou fake news sobre a lei que garantiu a autonomia do BC: “Na lei que está aprovada, ele tem de cuidar da inflação, do crescimento econômico e da geração de emprego”, disse Lula, como se as três missões estivessem em pé de igualdade. A Lei Complementar 179, no entanto, afirma que “o Banco Central do Brasil tem por objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços” (destaque nosso), e que “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, embora também sejam objetivos do BC, devem ser algo a se fazer “sem prejuízo de seu objetivo fundamental”, ou seja, há uma hierarquia clara de funções para a autoridade monetária, priorizando-se a proteção do valor da moeda.
Ainda antes que o Copom encerrasse sua reunião, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, foi ainda mais longe e disse que a legislação deveria ser alterada para permitir que o presidente da República mudasse o comando do BC sem aval do Senado, o que, na prática, comprometeria a autonomia da instituição. A esse respeito, é essencial recordar o comunicado em que a agência de classificação de risco Standard and Poor’s elevou de “estável” para “positiva” a perspectiva da nota de crédito do Brasil: a autonomia do BC é classificada como uma reforma importante, e o texto termina com a expectativa de que “a independência do banco central para perseguir a meta de inflação se mantenha, apesar de algumas pressões políticas”, o que já basta para imaginar o que a volta do intervencionismo representaria para investidores brasileiros e estrangeiros.
A lei atual já permite que o governo tente remover o presidente do BC, bastando para isso que busque a aprovação do Senado; se Lula está tão contrariado assim com Campos Neto, por que não chegou a dar esse passo?, alguém haverá de questionar para argumentar que, no fim das contas, tudo não passa de palavrório para manter mobilizados setores como o sindicalismo. No entanto, não é assim. Cada ataque de Lula e seus ministros contra a autonomia do BC provoca um ruído desnecessário que prejudica os esforços necessários para a retomada da economia com preservação do valor da moeda e do poder de compra do brasileiro. Se o mesmo esforço que o petismo gasta para atrapalhar Campos Neto fosse usado para oferecer ao país uma pauta econômica responsável, já teríamos mais condições para queda dos juros há muito mais tempo.
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