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Deltan Dallagnol
O TCU determinou que o ex-procurador Deltan Dallagnol pagasse R$ 2,8 milhões equivalentes a diárias e passagens supostamente irregulares ou que constituiriam desperdício, mas Justiça anulou a decisão.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Quando aqueles empenhados na desconstrução da Lava Jato e na criminalização daqueles que passaram anos empenhados na maior operação de combate à corrupção do Brasil têm pela frente quem dê valor à análise técnica, fria, isenta de conveniências políticas, de tudo o que foi feito entre 2014 e 2021, a “vingança dos corruptos” não prospera. Prova disso é a recente decisão do juiz federal Augusto César Pansini Gonçalves, da 6.ª Vara Federal de Curitiba, que anulou acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) impondo uma surreal multa de R$ 2,8 milhões a Deltan Dallagnol. O ex-procurador do Ministério Público Federal, que foi coordenador da força-tarefa da Lava Jato e agora é deputado federal eleito, havia sido condenado a ressarcir os cofres públicos por passagens e diárias supostamente irregulares, pagas a outros membros da equipe durante as investigações.

Em junho deste ano, Pansini Gonçalves já havia concedido liminar após Dallagnol ir à Justiça questionar a abertura da chamada “Tomada de Contas Especial” (TCE); a liminar foi mantida na segunda instância, mas foi derrubada pelo então presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins (que teve um filho denunciado pela Lava Jato e já havia tentado perseguir a operação em ocasião anterior), permitindo que a TCE voltasse a correr, terminando com a condenação, em agosto. A recente decisão do juiz de primeira instância consiste já na análise de mérito da mesma ação. Existe, ainda, uma segunda ação movida contra Dallagnol contestando a condenação em si; ela também tem liminar de Pansini Gonçalves suspendendo a decisão do TCU, liminar esta que foi mantida na segunda instância.

Quando os empenhados na desconstrução da Lava Jato têm pela frente quem dê valor à análise técnica, fria, isenta de conveniências políticas, de tudo o que foi feito entre 2014 e 2021, a “vingança dos corruptos” não prospera

Chama a atenção o desleixo ou displicência na resposta da União – que defende o TCU em casos semelhantes –, limitando-se a defender a legalidade do ato e afirmando que “há elementos mais do que suficientes para a instauração do processo de Tomada de Contas Especial. A simples leitura do Voto do Acórdão (...), bem como do despacho de 12/04/2022, demonstram essa realidade”. Impossível saber se a União simplesmente não quis se esforçar para defender o indefensável, ou se o empenho dos advogados federais esbarrou no caráter flagrante das ilegalidades cometidas para condenar Dallagnol. Fato é que o raciocínio circular oferecido pela União como argumento foi demolido por Pansini Gonçalves já na primeira frase de sua decisão, ao afirmar que “a União não se prontificou a refutar, uma por uma, as ilegalidades cometidas pelo Tribunal de Contas da União, na figura do relator do Acórdão 1.642/2022, ministro Bruno Dantas. e assim o fez porque realmente não há argumentos para refutá-las”.

A partir daí, o juiz elenca todo tipo de gambiarra jurídica usada por Dantas – um apadrinhado de Renan Calheiros que não esconde sua amizade com o presidente eleito Lula, o principal investigado e réu da Lava Jato – para perseguir Dallagnol. O ministro relator insistiu em incluir o coordenador da força-tarefa no processo ainda que não coubesse a Dallagnol definir os gastos da operação, já que sua função não era administrativa; atropelou fases do processo, a ponto de tomar decisões antes que estivessem concluídas diligências adicionais que ele mesmo havia solicitado; prejulgou o caso antes mesmo que ele fosse levado à análise da Segunda Câmara; e ignorou completamente toda a documentação providenciada pelo corpo técnico do próprio TCU atestando que não havia irregularidade alguma nos pagamentos, que os responsáveis por aprovar as despesas agiram com lisura e que não havia alternativa mais econômica àquela empregada na Lava Jato. Ainda que tais pareceres técnicos não tivessem caráter vinculativo, eles foram suficientemente contundentes a ponto de o Ministério Público junto ao TCU, coautor da representação que disparou o processo, ter pedido o seu arquivamento; ao negar o pedido e levar adiante o teatro, Dantas apenas escancarou o caráter político da perseguição.

Infelizmente, nem todas as vezes a palavra final ficou com quem se guia pela análise técnica, pela verdade dos fatos e pelo respeito à independência dos membros do MP; Dallagnol e outros ex-membros da Lava Jato já foram punidos no Conselho Nacional do Ministério Público simplesmente por exercer sua liberdade de expressão ao criticar políticos como Calheiros e comentar decisões do Supremo Tribunal Federal que ajudaram a criar o atual clima de impunidade. Mas decisões como a do juiz Pansini Gonçalves reacendem a esperança de que a “vingança dos corruptos” não prevaleça no Brasil.

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