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O governador fluminense, Sérgio Cabral, defende a construção de muros cercando as favelas cariocas como solução para conter o crescimento desordenado e a destruição da Mata Atlântica. São realmente dois problemas concretos enfrentados não apenas pelo Rio de Janeiro, mas por outras grandes cidades brasileiras. Buscar uma solução para eles é tarefa urgente dos administradores públicos.

No entanto, o fato de a construção de muros começar pelo Morro Santa Marta – comunidade dominada pelo narcotráfico e, por isso, ostensivamente vigiada pela Polícia Militar desde novembro – diz muito sobre a medida.

Embora o governo fluminense não destaque o fato, os muros são, acima de tudo, uma tentativa de conter a violência. Assim, é principalmente sob o aspecto da segurança pública que a questão merece ser analisada. Nesse sentido, a construção de muros para cercar as favelas é tipicamente um fruto dos tempos individualistas em que vivemos. A "solução" apresentada pelo governo fluminense reforça a ideia de gueto e aprofunda o abismo social que separa os moradores da favela dos do "asfalto". Com paredes de concreto, fica mais difícil pôr abaixo o muro intangível que já limita a convivência entre diferentes grupos sociais. As barreiras para o compartilhamento do espaço físico acabam por restringir também a circulação de ideias, a busca conjunta de soluções e a multiplicidade de visões sobre os mais variados assuntos. Em outras palavras, a sociedade empobrece.

Não bastasse o preço excessivamente alto do esfacelamento social, os tijolos também tendem a reforçar o poder de coerção do crime organizado sobre as comunidades muradas. A evidente tendência de fortalecimento do narcotráfico intramuros deveria ser razão suficiente para mostrar como é equivocada qualquer sensação de alívio que a construção tenha proporcionado aos que se sentem ameaçados pelas favelas.

Exemplos da Colômbia mostram que a saída está na contramão. Ou seja, na aproximação. Em Medellín, o medo imperava quando as 21 comunas pobres da cidade não tinham interligação. Com a integração por teleférico, a cidade virou modelo de combate à violência. Em Bogotá, o crime foi reduzido depois que a cidade ganhou 305 quilômetros de ciclovia.

No Rio, outro aspecto que depõe contra a solução é sua abrangência geográfica. Os paredões de 3 metros de altura, chamados pelas autoridades de ecolimites, começam pelo Santa Marta, mas vão atingir outras comunidades, num total de 11 quilômetros de extensão, ao custo de R$ 40 milhões. A Rocinha será a próxima favela a receber o muro. A lista tem ainda outras nove áreas. Todas na Zona Sul, região mais nobre e valorizada do Rio de Janeiro. Sob o ponto de vista puramente ambiental e urbanístico, como defende o governo fluminense, difícil entender o porquê da não aplicação do plano às demais áreas da cidade. Não seriam estas também merecedoras de proteção ecológica e cuidado urbanístico?

Fica, para os que refletem sobre a questão com isenção de ânimo, a mesma impressão que teve um dos responsáveis por projetos de urbanização de favelas – o arquiteto Hector Vigliecca –, a de que a segregação de comunidades é "assustadora".

A história é rica em exemplos de muros que provocaram estragos sociais de grande proporção. Citemos o muro de Berlim, que começou a ser construído em agosto de 1961 sem respeitar as relações sociais do lugar. Muitas famílias foram separadas da noite para o dia. Policiais e soldados da Alemanha Oriental impediam e até mesmo matavam quem tentasse ultrapassá-lo, um drama que só terminou com a falência do sistema socialista no Leste Europeu, no fim de 1989.

No Rio, como em qualquer outra grande cidade do Brasil, a favela não pode ser vista simplesmente sob o prisma da ameaça. Em vez de fazê-la "invisível" e de cercá-la, precisamos derrubar os muros do preconceito que impedem a sociedade de enxergar e discutir os problemas a ela associados.

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