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Em meio à propalada crise dos meios impressos, nada causa mais espanto do que o nível de excelência alcançado pelo mercado editorial brasileiro. Os moinhos podem não estar rodando a favor dos jornais e revistas, mas o mesmo não se pode dizer das editoras. As livrarias – reflexo imediato do mercado editorial – estão a cada tempo mais sortidas, e com capacidade para atender às demandas da superespecialização. Há títulos para todos os gostos, em belíssimas edições. Encontrar espaços de venda de livros apinhados de gente já não é exclusividade de Londres ou de Buenos Aires.

O mercado editorial figura entre os paradoxos brasileiros. Desenvolve-se contra todas as evidências e se tornou a ambição das grandes editoras internacionais. Resta lamentar que seja pouco estudado, que não seja utilizado como índice econômico e cultural. Basta lembrar que a leitura de livros funciona como uma espécie de ponto alto da cadeia produtiva do consumo de informação. Aquele que lê um romance ou um livro técnico provavelmente também lê impressos, ouve discos, vai ao cinema e ao teatro, ou seja, tem o tal consumo cultural combinado. Esses consumidores versáteis, persistentes e praticantes são objeto de desejo para a sociedade, que os quer por perto, daí a necessidade de investigar seus comportamentos.

Até aqui, só boas novas. A má notícia é que esse grande observatório de comportamentos e avanços culturais que se aninha nas estatísticas livreiras está sujeito a um inimigo: o próprio governo. O Estado é o maior comprador de livros no Brasil, prática que tem sua origem nos tempos em que dom João VI desembarcou no Rio e passou a usar a única prensa trazida na mudança apressada. Com ela se fez a Imprensa Régia, a primeira edição de livros escolares e um pouco dos nossos desatinos. A educação tutelada supõe o Estado paternalista que decide o que os brasileiros devem ler no momento em que estão na escola. De política colonial, a partir de 1808, essa prática se tornou uma tradição, digamos, imperial. O somatório de gastos do governo com as bibliotecas didáticas daria para comprar um reino. É discussão espinhosa.

O que interessa aqui é lembrar que a onipresença do Estado no mercado editorial causa um bem – o acesso à leitura e ao conhecimento – e dois males: nubla a percepção sobre o tamanho desse mercado e perpetua uma mácula da cultura brasileira: a ideia equivocada de que livro (e objetos de leitura) tem de ser dado, não comprado. Se essa máxima pode não valer para a parcela da população empobrecida e sem acesso aos bens culturais, vale para a camada média e mal acostumada. Como disse a editora Isa Pessoa, brasileiro não compra livro porque não acha importante. Caro? O argumento não se sustenta quando se coloca lado a lado o valor de uma roupa, de um tênis e o de um livro. A propósito, o preço do livro cai a cada ano.

Posto esse cenário, vale repassar os números do mercado editorial em 2013. Cresceu 10,4% em comparação com 2012, atingindo a fábula de 480 milhões de exemplares, com faturamento de R$ 5,3 bilhões. Preto no branco, contudo, o mercado cresceu esquálidos 1,52%, uma vez que o grosso desse desempenho se deve justamente à participação do governo: o Ministério da Educação engrossou em 20,4% sua participação no negócio dos livros. O mercado privado cresceu pianinho, 4,1%. Foram 150 milhões de obras em geral, para 2.221 milhões de livros didáticos – logo, em sua maioria, adquiridos por um único comprador. A economia da cultura não agradece.

Na falta de uma palavra melhor para tanta porcentagem, resta dizer que o mercado editorial permanece um eterno dependente da caridade soberana. Sem o livro didático, muitas casas publicadoras padeceriam os infernos. Bom seria poder dizer que o livro didático prepara uma nação de leitores, mas esse é outro vespeiro no qual não vale a pena meter a mão: os investimentos em material de leitura não redundam, como era de se esperar, em mais gente nas livrarias, alimentando a verdadeira riqueza das nações, o livro, pagando por ele, como se paga por outros objetos.

Não convém ser de todo negativo – como dissemos, as livrarias estão bem fornidas de livros e de fregueses. Setores menos tradicionais, como o do e-book, quadruplicaram no último ano, apontando uma cultura nova na lavoura. Fica o senão à mecânica governamental de aquisição de livros. Essa política pede para ser calibrada. Já são horas de provocar para que jovens gastem na compra de um livro, passando por um ritual essencial à vida de leitor: escolher o que ler e creditar valor a essa escolha. É educativo. A cultura e a economia agradecem.

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