| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Nesta sexta-feira, o Supremo Tribunal Federal dá início a dois dias de audiências públicas em que o futuro do Brasil estará em jogo de uma maneira muito especial. A ministra Rosa Weber ouvirá cerca de 50 expositores, entre indivíduos, entidades da sociedade civil organizada e órgãos públicos, que discutirão a ADPF 442, ação pela qual o Partido Socialismo e Liberdade (PSol) tenta, pela via judicial, legalizar o aborto no Brasil até a 12.ª semana de gestação.

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Que essa série de audiências esteja ocorrendo, por si só, já é um sintoma muito preocupante, pois o centro da ADPF é a constitucionalidade dos artigos do Código Penal que tornam crime o aborto provocado. Ora, não deixa de ser um grande absurdo que estejamos admitindo a possibilidade de discutir se a lei que proíbe o assassinato de seres humanos indefesos e inocentes contraria ou não a Constituição. Ninguém em sã consciência pensaria em levar ao STF ação semelhante contestando os artigos do Código Penal que criminalizam o homicídio, o sequestro, o assalto, a violência sexual, com o objetivo de legalizar essas práticas. Que o estejamos fazendo em relação ao aborto é mostra de que há algo profundamente errado com nossa vida pública.

A defesa da vida humana está consagrada na Carta Magna, especialmente nos seus artigos 1.º e 5.º

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Mas, uma vez que a ADPF foi aceita, é preciso analisar aqui como alguns ministros do STF, incluindo a própria relatora, têm se comportado para entendermos o que está em jogo, pois há duas situações diversas. A primeira delas é o debate sobre se é melhor para uma sociedade permitir ou proibir o aborto, e não seria de se espantar que diversos dos expositores usassem seu tempo para argumentar sobre esse ponto. A Gazeta do Povo, em diversas ocasiões, já lembrou que o aborto, por representar a eliminação deliberada dos mais indefesos entre os seres humanos, é um mal que precisa ser combatido. Outros terão convicção diferente, e reconhecemos que mesmo pessoas de boa vontade podem se equivocar profundamente sobre esse assunto.

O que está em jogo na ADPF, no entanto, não é a conveniência ou não da legalização ou da proibição do aborto, mas algo bem mais específico: a compatibilidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal com a Constituição brasileira. A desconstrução, ponto a ponto, dos argumentos apresentados pelo PSol não é nosso objetivo neste momento, mas desde já pode-se afirmar, com toda a certeza, que a defesa da vida humana está, sim, consagrada na Carta Magna, especialmente nos seus artigos 1.º e 5.º. Se a PEC 181, que tramita no Congresso, pretende incluir a expressão “desde a concepção” nesses trechos, não o faz porque a vida humana intrauterina esteja legalmente desprotegida, mas apenas para ser mais explícito em relação a algo que já é evidente. Se a Constituição reconhece a “dignidade da pessoa humana” (artigo 1.º) e “a inviolabilidade do direito à vida” (artigo 5.º), e a vida humana se inicia não no nascimento, não no 91.º dia de gestação, mas no próprio momento da concepção, é claro que essa vida já está protegida pela lei maior do país.

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E isso nos traz à grande preocupação que envolve o futuro julgamento da ADPF 442: o controle de constitucionalidade é uma das funções de uma suprema corte, mas há motivos bastante fundados para crer que pelo menos alguns ministros pretendem ir muito além disso, extrapolando suas funções para poder fazer avançar sua agenda ideológica. O maior defensor do aborto no Supremo, Luís Roberto Barroso, deu o exemplo mais claro dessa postura em novembro de 2016: ele “sequestrou” o julgamento de um habeas corpus de médicos e funcionários de uma clínica de aborto para declarar que a legislação sobre o tema era inconstitucional. Mesmo falhando grotescamente em sua argumentação, que não enfrentou o fato de a defesa da vida estar inserida na Constituição, ele foi seguido por dois colegas de Primeira Turma, que o ajudaram a formar maioria naquele julgamento: Edson Fachin e Rosa Weber, justamente a relatora da ADPF 442.

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A responsabilidade que esses ministros estão arrogando para si é um golpe na democracia, e para explicar a gravidade desse comportamento podemos recorrer a um exemplo hipotético. Pensemos na possibilidade de um presidente da República – eleito pelo povo, portanto, e que responde a ele nas urnas – que, imbuído de profunda formação e valores humanísticos, e certo de ter as mais corretas convicções sobre o bem e a justiça, passasse a decidir com base no que ele crê ser o melhor para a população, atropelando os demais poderes e até mesmo a Constituição. Por mais que suas medidas fossem, em tese, acertadas em grande maioria das vezes, poderíamos dizer que se trata de um democrata? Quem ignora dessa maneira o Estado Democrático de Direito, a independência entre poderes, a lei maior de seu país seria merecedor do mais profundo repúdio.

Pois é justamente essa a postura de alguns integrantes do Supremo, que se julgam autênticos reis-filósofos, imbuídos da missão civilizatória de iluminar uma sociedade presa nas trevas, missão essa que justifica passar por cima do Poder Executivo, do Poder Legislativo e até mesmo da Constituição de que eles deveriam ser guardiães – com a agravante de que eles o fazem sem enfrentar consequência alguma. Na prática, o país estaria sendo comandado por uma casta de déspotas esclarecidos cujas decisões são incontestáveis. Uma eventual legalização do aborto por via judicial seria a culminação desse processo, um retrocesso civilizatório inimaginável.

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