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Num momento em que a liberdade de expressão e de opinião parecem ameaçadas na América Latina, o novo presidente da República terá a tarefa de impedir que a violação desses direitos venha a ocorrer no Brasil. Embora os três principais candidatos à Pre­­sidência – José Serra, Dilma Rousseff e Marina Silva – tenham concordado em assinar a Declaração de Chapultepec – uma carta de princípios aprovada em favor da liberdade de expressão, em 1994, pela Conferência Hemisférica sobre liberdade de Expressão – é necessário muito mais que boas intenções no trato desse tema. É preciso que o compromisso seja cumprido, sob pena de o Brasil se enveredar por caminhos que já vêm sendo trilhados por governantes com tendências autoritárias.

Como há uma lacuna entre compromissos firmados e ação sobre a realidade, o cumprimento da Declaração de Chapultepec pelo próximo eleito é algo que deverá permanecer na pauta pública após o período eleitoral, pois essa carta traz princípios que ainda não são de todo respeitados no Brasil.

Basta uma análise superficial do documento para se perceber isso. Um dos princípios encartados no documento é: "Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos". Outro deles diz: "As autoridades devem estar legalmente obrigadas a pôr à disposição dos cidadãos, de forma oportuna e equitativa, a informação gerada pelo setor público".

Entretanto, para citar apenas um exemplo, até quinta-feira da semana passada humoristas estavam proibidos de fazer piadas com candidatos e partidos políticos. A censura foi suspensa provisoriamente pelo ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada. Uma decisão definitiva sobre parte do artigo 45 da Lei Eleitoral – que proíbe trucagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que ridicularize candidatos – deve sair na próxima reunião da Corte, na próxima quarta-feira, 1.° de setembro.

Os mecanismos de proteção à liberdade de expressão e imprensa no Brasil são falhos, algo facilmente constatado no caso da censura judicial ao jornal O Estado de S.Paulo, há mais de um ano proibido pela Justiça do Maranhão de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica da Polícia Federal, que investiga o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney. A criação de instrumentos jurídicos que neutralizem atos políticos contra a liberdade de expressão é algo de alta relevância para que violações a esse direito fundamental não sejam perpetradas, como no caso de censura ao Estadão.

Apesar de problemas como esses, o Brasil parece ser um dos poucos países latinos em que a sociedade tem tido êxito em resistir contra restrições ao direito de liberdade de expressão, imprensa e opinião, pois já há algum tempo a América Latina vem registrando casos em vários países de reiteradas violações da liberdade de expressão e ataques a meios de comunicação. As mais recentes ofensivas acabam de ocorrer na Argentina, com a decisão da presidente Cristina Kirchner em declarar que pretende nacionalizar a indústria de papel jornal, o que atingiria indiretamente os jornais Clarín e La Nación, que juntos detêm a maior parte do capital da Papel Prensa, empresa que produz 75% do papel jornal consumido no país. Cristina Kirchner há cerca de dez dias decidiu também anular a concessão da provedora de internet Fibertel, pertencente ao grupo Clarín.

Na Venezuela, sob pretexto de proteger crianças e adolescentes, um tribunal de Caracas proibiu na semana passada todos os jornais de publicarem imagens violentas, sangrentas ou grotescas, o que foi classificado por entidades internacionais de imprensa como censura prévia. A proibição ocorreu depois que o jornal El Nacional – de oposição ao governo – publicou uma foto do necrotério de Caracas, em que mostra cadáveres em macas e no chão – o que sugere colapso nas atividades do necrotério. O presidente venezuelano Hugo Chávez, em reunião com ministros transmitida pela televisão, afirmou que a publicação da foto seria um ato de desespero da oligarquia, ante a perspectiva da oposição ser derrotada nas eleições. Em outras ocasiões, Chávez já retirou do ar emissoras de televisão e constantemente ameaça empresas de comunicação na Venezuela.

A independência de veículos de comunicação tem incomodado Cristina Kirchner e Hugo Chávez, que tentam de todos os modos controlar as informações sobre os atos de seus governos. Já no Brasil parece haver um esforço para desatar restrições à liberdade de expressão e de opinião, muito embora tentativas de se instituir o chamado "controle social" sejam, de tempos em tempos, propostas. Dilma Rousseff, por exemplo, chegou a defender meses atrás o controle público dos meios de comunicação, mas, em julho, já no período eleitoral, declarou ser contra a medida.

Ao se observar o contexto atual vivido na América Latina, o compromisso dos presidenciáveis brasileiros com a liberdade de expressão é uma boa notícia. Porém, como a distância entre discurso e prática muitas vezes surpreende até mesmo os mais céticos, no período pós-eleitoral será necessário um plano claro e consistente do próximo governante para a efetivação dos direitos de liberdade de expressão, imprensa e opinião. É preciso que não haja ambiguidades sobre os compromissos firmados em favor da liberdade de expressão e do direito à informação. 

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