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As tecnologias não são neutras. Podem servir de instrumento ideológico e induzir – para o bem ou para o mal – transformações da sociedade. Nesse sentido, o turbilhão revolucionário provocado por multidões nos países árabes, as manifestações dos indignados espanhóis e dos "ocupantes" de Wall Street e as Marchas Contra a Corrupção organizadas por cidadãos brasileiros têm mostrado que as redes podem ser um belo instrumento para a aglutinação e a participação política. Entretanto, a tão desejada mudança sonhada por essas hordas de insatisfeitos não acontecerá somente pelo uso de novas tecnologias sociais. Será necessário muito mais que a comunicação via redes para realizar transformações culturais e políticas.

O mérito das redes nas revoluções do mundo árabe é um fato inquestionável. Pesquisa recente realizada por Philip Howard, professor da Universidade de Washington – "As origens digitais da ditadura e da democracia" (numa tradução livre da obra em inglês The Digital Origins of Dictatorship and Democracy) –, demonstra que houve um intenso fluxo de troca de mensagens nas redes sociais, em especial Twitter, Facebook e Youtube, nessa ordem, nos momentos que antecederam as grandes manifestações no Egito e na Tunísia. Elas ajudaram a realizar a mobilização social. Entretanto, o desafio desses países agora é conduzir seus governos para regimes democráticos, o que ainda não está consolidado, em especial pelo risco do radicalismo islâmico.

As redes têm em seu currículo o sucesso em mobilizações de indivíduos insatisfeitos contra regimes totalitários no mundo árabe, contra governos inoperantes ou corruptos na Europa e na América Latina, contra a cobiça de Wall Street. São temidas por governos totalitários como o da China e do Irã, que resistem a deixar fluir o acesso de suas populações às redes, pois elas facilitam a auto-organização da população, o que não é desejável para regimes intolerantes a um ambiente democrático.

Mas isso é apenas parte da explicação. As manifestações, embora com objetivos e reivindicações diversos em cada canto do mundo, têm como ponto de partida uma insatisfação a respeito da ordem vigente. Cidadãos insatisfeitos começaram a ocupar o espaço público justamente pelas dificuldades de governos darem respostas às suas necessidades.

No Brasil a insatisfação se dá na luta contra a corrupção em todos os níveis de governo. Embora haja a tendência de setores político-partidários em desqualificar as Marchas Contra a Corrupção, classificando-as equivocadamente como "de direita". Esses movimentos são genuinamente organizados por setores da sociedade não comprometidos com partidos políticos. E sua origem está justamente no distanciamento cada vez mais agudo entre a sociedade e essas instituições.

A questão que se coloca é: as marchas estão realmente combatendo a corrupção? Essa reflexão precisa ser feita, pois em breve o movimento das marchas vai entrar numa encruzilhada. Essa energia cívica acumulada pode se dispersar e gerar frustração dos manifestantes. Ou, então, a experiência cívica das ruas poderá ser utilizada para o combate à corrupção por outros meios. E esses "outros meios" dizem respeito justamente à fiscalização e o controle social das instituições, bem como ao estímulo de atividades educativas que induzam a uma melhora na cultura política da população. Resta ver qual será o caminho que os manifestantes irão tomar.

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