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Dividido quanto à apresentação de um pedido de impeachment, o PSDB (bem como outros partidos de oposição) desistiu, por ora, de tentar o afastamento da presidente Dilma Rousseff por esta via e mudou de estratégia: agora, o plano é apresentar um pedido de ação penal contra a presidente da República por causa das “pedaladas fiscais”, uma manobra para aliviar as contas públicas usando recursos do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e do BNDES – na prática, é como se os bancos estivessem emprestando dinheiro ao governo, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Tudo o que foi apurado até agora mostra que há elementos suficientes que justificam, sim, uma investigação

O trâmite de um pedido destes é aparentemente mais simples que o de um pedido de impeachment, que primeiro teria de passar por uma comissão e, se fosse aprovado, iria ao plenário da Câmara, onde precisaria do apoio de 342 deputados – tarefa nada fácil, mesmo com a relação pouco amistosa entre governo e Congresso. Em vez disso, o pedido de ação penal é encaminhado ao procurador-geral da República, e é aqui que o caminho aparentemente mais fácil encontra um obstáculo, pois a decisão sobre o futuro da ação fica nas mãos de Rodrigo Janot, que já livrou Dilma Rousseff no caso da Operação Lava Jato.

Mesmo tendo sido citada nos depoimentos sobre a pilhagem da Petrobras, Dilma não será investigada por decisão de Janot, que não a incluiu na lista encaminhada ao Supremo Tribunal Federal, no início de março. O procurador-geral se apoiou no parágrafo 4.º do artigo 86 da Constituição, segundo o qual “o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. Trata-se, no entanto, de uma interpretação muito restritiva, que não necessariamente impede investigações sobre os atos do presidente da República.

E, se o artigo 86 pode justificar que Dilma não seja acusada por irregularidades cometidas quando era ministra de Minas e Energia, ou ministra-chefe da Casa Civil, bem como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, há muito o que investigar a respeito de acontecimentos envolvendo a Presidência da República após a posse de Dilma, a começar pela própria Petrobras: Dilma tinha conhecimento da roubalheira, e deixou que a pilhagem prosseguisse? Houve o dedo da Presidência da República na decisão da Controladoria-Geral da União de esperar a reeleição de Dilma para só então abrir processo contra a holandesa SBM por pagamento de propina, apesar de a CGU ter recebido a documentação já em agosto do ano passado? Isso sem falar das próprias pedaladas fiscais, também realizadas durante o governo Dilma.

Resta uma questão final: Dilma, que está em seu segundo mandato, poderia ser acusada por irregularidades cometidas no seu primeiro período na Presidência? A controvérsia deriva do fato de tanto a Constituição quanto a Lei 1.073/1950, que define os crimes de responsabilidade, terem sido escritas quando não existia reeleição para o Executivo. Há quem use o mesmo trecho do artigo 86 da Constituição para livrar Dilma, mas o texto só bloqueia a responsabilização por atos “estranhos ao exercício das funções” do presidente da República – caracterizar um mandato anterior dentro desta categoria nos parece indevido, pois a função é a mesma.

Quando, neste espaço, comentamos a decisão da Assembleia Legislativa do Paraná de livrar Nelson Justus de um processo disciplinar, lembramos decisões do Supremo Tribunal Federal segundo as quais parlamentares poderiam ser cassados por ilícitos cometidos em mandatos anteriores. “A ordem jurídica não pode permanecer indiferente a condutas de membros do Congresso Nacional – ou de quaisquer outras autoridades da República – que hajam eventualmente incidido em censuráveis desvios éticos, no desempenho da elevada função de representação política do povo brasileiro”, escreveu Celso de Mello em 2003, negando liminar a um deputado federal que havia renunciado para escapar de uma cassação e, reeleito, voltou a ser alvo de processo na Câmara pela irregularidade cometida no mandato anterior. Por mais que se trate de uma decisão relativa a membro do Legislativo, o princípio de que uma reeleição não apaga delitos cometidos por políticos bem pode se aplicar também ao Executivo.

Líderes do PSDB que pedem cautela com pedidos de impeachment, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador José Serra, alegam que ainda não há nada comprovado diretamente contra Dilma, e é verdade. Mas tudo o que foi apurado até agora, tanto pela Operação Lava Jato (no que diz respeito à Petrobras) quanto pelo Tribunal de Contas da União (no caso das pedaladas), mostra que há elementos suficientes que justificam, sim, uma investigação – que, como vimos, não está proibida pela Constituição Federal. Que a oposição não se mostre tão passiva como tem sido até agora, e que não se coloquem mais obstáculos à busca pela verdade.

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