"Pergunte ao Bush", dizia o presidente Lula repetida e displicentemente até dias atrás quando jornalistas procuravam saber sua opinião a respeito da crise financeira deflagrada nos Estados Unidos. A resposta refletia a presunção de que a economia brasileira estava suficientemente forte para resistir ao impacto da quebradeira norte-americana. Nos últimos dias, o discurso presidencial começou a mudar. A retórica de palanque começou a dar lugar à visão mais realista de que o país não está imune ao sofrimento – tanto quanto, como os fatos vêm demonstrando, o restante do mundo. E, se não está imune, não cabe apenas ao companheiro Bush dar um jeito na "sua crise", mas também ao Brasil tomar rapidamente medidas de precaução.

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Ficou famosa a frase "o que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil", pronunciada pelo chanceler Juracy Magalhães, na década de 60 do século passado. Se, naquela época, tornou-se um infeliz símbolo da nossa dependência econômica e da vassalagem política que prestávamos a Tio Sam, hoje, transcorrido quase meio século, dita às avessas, a frase apresenta um alto grau de verossimilhança: se a crise é ruim para os Estados Unidos, é ruim também para o Brasil.

De fato, os primeiros sinais de dificuldade já começaram a surgir e não há no horizonte um ponto de parada. A debacle estrepitosa de poderosas instituições financeiras dos Estados Unidos não só teve o efeito de derrubar as bolsas de todo o mundo, mas, sobretudo, promoveu brutal redução da oferta de crédito e empurrou as fortunas que não viraram pó com a desvalorização dos papéis para investimentos mais conservadores. Um dos primeiros efeitos desse movimento é a perda de dinamismo das economias com conseqüente redução das trocas comerciais e, logicamente, das commodities mais negociadas.

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É nesse ponto que a crise atinge o Brasil. Inicialmente, pela fuga dos capitais especulativos que faziam a Bovespa brilhar; concomitantemente, pela elevação do custo do crédito – já levada a efeito nas revendas de automóveis –, pela abrupta e forte valorização do dólar, tornando menos atraentes as importações e, em seguida, pela queda das cotações internacionais das commodities minerais e agrícolas – as grandes fontes das divisas que abastecem as reservas brasileiras.

Desse ponto até chegar à porteira do fazendeiro paranaense não demorou muito. Do início de agosto até ontem, a cotação da saca de soja na bolsa de Chicago caiu de US$ 28,7 para US$ 23 – desvalorização que se dá no mesmo momento em que os insumos importados, especialmente fertilizantes, sobem de preço. A conjunção desses fatores, isto é, diminuição no preço de venda dos produtos e aumento dos custos de produção, significa diminuição da renda do setor agrícola.

Some-se a isso a perspectiva pouco animadora para comercialização da safra que está sendo plantada agora e a ser colhida no próximo verão, como resultado do efeito dominó que a economia americana exerce sobre mercados importantes para o Brasil. Por exemplo: a previsão de uma drástica redução do intenso comércio sino-americano fatalmente fará com que diminua a demanda da China – hoje a maior compradora mundial – por commodities agrícolas. Nesse caso, a lei da oferta e da procura se encarregará de derrubar a renda no interior brasileiro, com as decorrentes e inevitáveis repercussões econômicas e sociais.

Diante desse quadro, há de se rezar pelo sucesso do pacote proposto pelo presidente Bush visando a minimizar a crise interna dos Estados Unidos e, de outra parte, cabe ao governo Lula, ao invés de ignorar a crise como se nada tivéssemos com ela, tomar as medidas de proteção necessárias para torná-la menos grave para o Brasil.