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Família, políticas públicas e o autêntico desenvolvimento
| Foto: Bigstock

A família é a base da sociedade e essa é uma verdade tão evidente que os autores da Declaração Universal dos Direitos Humanos não hesitaram em inclui-la no documento que foi assinado por 193 nações, há cerca de 74 anos. Na verdade, o artigo 16 daquele valioso texto vai mais longe e afirma que, por sua importância fundamental, a família tem direito à proteção do Estado. Assim, não é possível pensar em autêntico desenvolvimento de um país se a instituição familiar não receber por parte dos governantes o merecido e necessário cuidado.

Partindo desse fato, duas notícias recentes que dizem respeito à relação entre Estado e família merecem nossa atenção. A primeira delas foi o lançamento de um edital, fruto de uma parceria do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) com a Capes, para fomentar pesquisas sobre políticas públicas para as famílias nos programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) das universidades. As áreas temáticas contempladas no edital incluem organização e modalidades de atendimento e cuidados aos membros idosos das famílias brasileiras; os impactos do engajamento das famílias no desenvolvimento escolar dos filhos na pandemia; relações familiares, geração e regeneração de capital social no Brasil; atitudes dos jovens brasileiros sobre a formação da família; a relação entre a qualidade dos vínculos familiares e a ocorrência de violência intrafamiliar, entre outros temas.

Essa tentativa de criar incentivos públicos para redirecionar prioridades na produção científica brasileira deve ser comemorada. É sabido que, naturalmente, o interesse acadêmico de competentes pesquisadores é atraído pelos recursos disponíveis para o desenvolvimento de seu trabalho. Por isso, fundações e ONGs internacionais têm exercido forte influência na agenda universitária, quase sempre partindo de seus próprios interesses, que frequentemente são dissociados das preocupações cotidianas reais dos brasileiros.

Na medida que iniciativas como essa adquiram mais escala e se insiram como parte normal da estrutura de incentivos da ciência brasileira, entrando também na agenda de coleta e análise de dados de instituições governamentais de pesquisa como o IBGE, o Ipea, entre outras, os problemas da família deixarão de ser tema de mera retórica eleitoral no Brasil, ganhando materialidade e fundamentando a elaboração técnica para soluções sociais que exijam participação do Estado.

A segunda notícia que despertou curiosidade e ânimo em muitos defensores da família vem do Leste Europeu mas, infelizmente, foi ofuscada pelas informações diárias sobre a violenta invasão russa à Ucrânia. Em meio à tensão do conflito, a Hungria, que faz divisa com o país invadido, acaba de escolher seu novo chefe de estado e, pela primeira vez na história daquele país, é uma mulher. Katalin Novák, de 44 anos, casada e mãe de três filhos, foi eleita pelo parlamento húngaro com 137 votos contra 51. Anteriormente, ela havia se destacado na vida pública por ter ocupado o cargo de ministra da Família, Juventude e Relações Exteriores, implantando políticas públicas de valorização da natalidade vistas como inovadoras, especialmente para o contexto europeu de crise demográfica.

Sua atuação no governo foi determinante para o alcance de números surpreendentes para um país que poucas décadas atrás estava sob domínio soviético. Entre 2010 e 2018, a taxa de abortos na Hungria caiu 33,5%; o número de casamentos aumentou 43% e o índice de divórcios também diminuiu significativamente. Foi reduzido em 22,5% entre 2010 e 2017.

"As políticas pró-família não são um gasto, mas um investimento do futuro", declarou a então ministra, em mais de uma ocasião, quase sempre completando com a afirmação de que "ter filhos é o caminho viável para sobreviver como sociedade".

Não é possível pensar em autêntico desenvolvimento de um país se a instituição familiar não receber por parte dos governantes o merecido e necessário cuidado

Em seu discurso de posse, Katalin Novák reforçou o protagonismo feminino em sua função. “Nós, mulheres, criamos filhos, cuidamos dos doentes, cozinhamos, estamos em dois lugares ao mesmo tempo se for preciso, ganhamos dinheiro, ensinamos, ganhamos prêmios Nobel e limpamos janelas. Conhecemos o poder das palavras, mas sabemos ficar em silêncio e ouvir quando necessário, defendendo nossas famílias com uma coragem maior do que a dos homens se o perigo ameaçar”, disse a nova chefe de Estado, também a mais jovem da história do país.

A nova presidente da Hungria está certa em muito do que diz, mas se há algo em sua trajetória que devia receber atenção dos políticos brasileiros são os resultados que pode mostrar. É triste constatar que a retórica em defesa de valores familiares se tornou banal no Brasil e frequentemente serve para camuflar a ausência de projetos e ou realizações objetivas que promovam e protejam de fato os direitos da família.  A escassez de aprovações legislativas no Congresso Nacional que sejam convergentes com esse objetivo, por exemplo, põe em dúvida a real priorização da família por parte da atual elite política, ao menos quando esses temas precisam disputar espaço com projetos que atendam melhor a interesses corporativos e fisiológicos.

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