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As primeiras revelações do dramático conteúdo das caixas-pretas do Airbus da TAM que se espatifou em Congonhas (SP), há duas semanas, indicam que enquanto uma das turbinas freava o avião a outra o acelerava – fato que teria sido decisivo para a eclosão da tragédia que culminou com a morte de 199 pessoas. Falha humana ou pane mecânica, só a continuidade das investigações vai dizer.

A mesma dúvida não cabe em um diagnóstico da situação face ao descompasso entre as autoridades federais que, direta ou indiretamente, são responsáveis pela resolução da crise que afeta o setor aéreo brasileiro. Enquanto um ministro anuncia decisões que lhe parecem corretas, outro vai em sentido contrário, desmentindo-o em seguida. Nesse caso, não há dúvida: pane mecânica não é; é humana e política. Enquanto isso, a crise continua exatamente do mesmo tamanho, devendo prolongar-se por tempo tão indefinido quanto é a própria indefinição do governo sobre os modos de solucioná-la.

O novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, foi chamado há uma semana para assumir o cargo até então ocupado pelo tíbio Waldir Pires. Acossado pela traumática aterrissagem do vôo 3054, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu-lhe carta branca para fazer tudo quanto fosse necessário para não só tirar a aviação do caos como, sobretudo, para livrar o governo da pecha de incompetente na gestão setor aéreo.

Fora a pirotecnia inútil que o levou a subir num guindaste para observar as cinzas no local em que caíra o Airbus, Jobim apontou, já no dia seguinte à posse, os culpados pela situação caótica: em primeiro lugar, o esgotamento da capacidade do Aeroporto de Congonhas para cumprir seu papel de pião do sistema; e em segundo, a falta de comando e coordenação entre os três principais órgãos gestores – a Aeronáutica, a Infraero e a Agência Nacional da Aviação Civil (Anac).

Diagnosticadas as causas, anunciou as primeiras medidas. A construção de um terceiro aeroporto na capital paulista era uma delas; as outras eram a destituição das diretorias da Infraero e da Anac em razão dos clamorosos indícios de que não estavam preparadas para cumprir as estratégicas funções que lhes eram afetas. O mesmo Jobim, passados alguns dias, refez o plano original, afirmando ser desnecessária a construção do novo aeroporto.

Foi o que bastou para que a poderosa ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, desautorizasse o colega Jobim. Disse que em nenhum momento o governo se afastara um só milímetro da intenção de implantar o terceiro campo de pouso para desafogar Congonhas e o já quase ultrapassado Aeroporto de Guarulhos. Não se tinha conhecimento, até a noite de ontem, de qualquer reação ou explicação de Jobim frente à contradição interna no governo.

Quanto à Anac – feudo colocado em mãos petistas sob a proteção política de Dilma –, Jobim repetiu à exaustão que, em face da impossibilidade legal de demitir sua diretoria, esperava sua renúncia coletiva. Nada aconteceu. Os diretores da Anac decidiram cumprir integralmente o mandato de cinco anos de que estão investidos e que vence no ainda longínquo ano de 2011.

Sobraram desses episódios a constatação da derrota política do ministro da Defesa no embate com a colega de governo e o prêmio de consolação de poder colocar um novo presidente à frente da Infraero – desde que submeta o nome à aprovação (certamente política) do presidente Lula.

A descrição dos percalços de Nelson Jobim é suficiente para nos levar à percepção de que a "carta branca" que lhe fora oferecida não lhe dava, de fato, liberdade de ação. Retire-se dele, portanto, o voto de confiança que recebera da opinião pública nos primeiros dias e se devolva ao presidente Lula e ao conjunto do governo e às suas dicotomias político-partidárias internas a responsabilidade pela possível eternização do caos.

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