• Carregando...

Melhor que substituir intempestivamente as doações por financiamento público – ideia defendida por muitos, mas rejeitada por esta Gazeta – é expurgar do processo eleitoral os fatores que o levam a ser tão dispendioso

Logo após o fim do recesso parlamentar, deve se reiniciar no Congresso Nacional o velho debate sobre financiamento de campanhas eleitorais – tema indubitavelmente importante para a democracia e para as instituições brasileiras. Por uma simples razão: doações de campanha costumam ser o berço que embala a corrupção endêmica que infesta os poderes públicos no país. Logo, é imprescindível estabelecer sistemas de financiamento, com regulamentos rígidos e transparentes, de modo a salvaguardar a ética e o interesse público.

Priorizar a criação de meios para financiar políticos e partidos em campanha, como mostrou esta Gazeta do Povo na última segunda-feira, parece-nos, contudo, uma inversão da ordem natural das coisas. Embora não haja controvérsias quanto aos malefícios da sistemática vigente nem quanto à urgente necessidade de mudanças, a questão do financiamento deve ser encarada apenas como parte de um universo chamado "reforma política" – sempre sonhada, nunca realizada. Discutir financiamento de campanha de maneira descolada do restante é como enxergar apenas a árvore e desconhecer a floresta que a circunda.

Montantes, origens e formas de financiamento tendem a variar em conformidade com o modo como se processam as escolhas eleitorais. Se o objetivo é diminuir a influência que o poder econômico exerce sobre os resultados eleitorais, o melhor a fazer é instituir um sistema político-eleitoral menos dependente de tal fator. Ou seja: que a forma de financiamento seja debatida após ou concomitantemente com a reforma político-eleitoral.

Atualmente, com pelo menos três dezenas de partidos registrados e ainda outros em gestação para juntar-se aos já existentes; com a possibilidade de pequenas siglas servirem de portas comerciais dispostas a formalizar as mais esdrúxulas coligações, não importando ideologias ou programas; com eleições proporcionais para as casas legislativas – enfim, com a parafernália legal atualmente existente é impossível, em primeiro lugar, termos uma democracia representativa digna desse nome; e, em segundo lugar, impossível também as eleições não custarem tão caro.

Assim, melhor que substituir intempestivamente as doações de empresas ou pessoas jurídicas por financiamento público – ideia defendida por muitos, mas rejeitada por esta Gazeta – é expurgar do processo eleitoral os fatores que o levam a ser tão dispendioso e, ao mesmo tempo, tão sujeito a todo tipo de vícios, desde o usual caixa dois (que o notório Delúbio Soares designava com o eufemismo "recurso não contabilizado") até a maciça destinação de dinheiro a candidatos que, se eleitos, já nascem comprometidos com o lobby corrupto de seus patrocinadores.

Por outro lado, não se pode desconhecer que grande parte do financiamento das campanhas eleitorais já se faz com dinheiro público. Estão aí para provar os "fundos partidários", constituídos por verbas orçamentárias, e também a propaganda eleitoral em rádio e televisão, na verdade custeada por renúncias do Tesouro aos impostos que as emissoras deveriam recolher sobre o faturamento da publicidade que veiculariam nos horários cedidos à Justiça Eleitoral. Nem por isso o dispêndio desses recursos públicos tem sido capaz de reduzir significativamente a influência do poder econômico e a repetição constante dos velhos vícios.

Talvez haja maneiras de tornar os pleitos mais baratos e, ao mesmo tempo, mais representativos da vontade popular – questões que com certeza, repetimos, devem anteceder a discussão do financiamento das campanhas. Por exemplo: por que não aprofundar o debate sobre o voto distrital misto? Por que não discutir as coligações? Por que não adotar medidas de redução do número de partidos e de estímulo para que ganhem identidade política e ideológica?

Que venha a reforma política e, com base na lógica de suas definições, que venha também a melhor e a mais segura maneira, dos pontos de vista da ética e da moral pública, de custear as campanhas. Tal conjunto será a grande floresta da democracia e não a árvore dos pequenos interesses.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]