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A ministra do STF Cármen Lúcia.
A ministra do STF Cármen Lúcia.| Foto: Carlos Moura/STF

Com a reforma trabalhista de 2017, o sindicalismo se viu desafiado pelo fim da cobrança obrigatória que até então era imposta a todos os trabalhadores de uma determinada categoria com a finalidade de sustentar o respectivo sindicato – independentemente de o funcionário ser ou não filiado à entidade. O chamado “imposto sindical” chegou a movimentar R$ 3,5 bilhões anuais, destinados a sindicatos e centrais sindicais que às vezes estavam mais preocupados em fazer política partidária que em lutar pelos direitos dos trabalhadores que diziam representar. Com a reforma, o desconto passou a depender de autorização expressa e individual do funcionário.

Essas entidades poderiam ter seguido o exemplo de sindicatos com grande filiação e tradição de combatividade em favor de sua categoria, reinventando-se para conquistar novos membros que estivessem voluntariamente dispostos a sustentá-las. Mas, em vez disso, preferiram recorrer a truques legais para burlar a intenção da lei e garantir a continuação da cobrança indiscriminada. Sindicatos passaram a realizar “assembleias extraordinárias”, com presença nem sempre numerosa, em que aprovavam o desconto na folha de todos os trabalhadores da categoria.

É inexplicável a atitude de sindicatos, procuradores e juízes que insistem em passar por cima da lei e das decisões do STF para prejudicar o trabalhador

Para conseguir manter a cobrança, as entidades alegavam a “prevalência do negociado sobre o legislado”, princípio saudável das relações trabalhistas – mas distorcido neste caso, pois seria preciso deturpar o texto de partes da CLT que tratam do desconto, como os artigos 579 e 545, que condiciona o desconto do imposto sindical à “autorização prévia e expressa” dos trabalhadores. Para os sindicatos, a redação dos textos, que usa o plural ao se referir a “empregados”, daria margem a uma autorização coletiva, e não individual. Claro que, para tal, seria preciso atropelar o artigo 611-B da CLT, segundo o qual ninguém pode sofrer desconto de valor algum “sem sua expressa e prévia anuência”, um direito que não pode ser anulado por convenções coletivas.

Infelizmente, a rebelião ideológica contra a reforma trabalhista dentro do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho permitiu que a tese da cobrança coletiva, ainda que completamente desprovida de amparo legal e já descartada pelo Supremo Tribunal Federal em 2018, pudesse prevalecer nos casos em que os sindicatos buscaram o Judiciário. Até mesmo a segunda instância, os Tribunais Regionais do Trabalho, tem tomado decisões neste sentido. Mas as empresas obrigadas a fazer o desconto em folha começaram a reagir, e um dos casos chegou ao STF.

No fim de maio, a ministra Cármen Lúcia concedeu liminar a pedido de uma metalúrgica do Rio Grande do Sul, derrubando uma decisão do TRT da 4.ª Região que tinha beneficiado um sindicato do setor. Ela lembrou o julgamento realizado no próprio Supremo a respeito da constitucionalidade de trechos da reforma trabalhista, ocasião em que o entendimento da corte foi pela necessidade de autorização individual para a cobrança do imposto sindical. Assim, o Supremo consolida a jurisprudência a respeito do tema, tornando ainda mais inexplicável a atitude de sindicatos, procuradores e juízes que insistem em passar por cima da lei e das decisões do STF para prejudicar o trabalhador.

Leia também: O "imposto sindical" e a MP de Bolsonaro (editorial de 6 de março de 2019)

Leia também: Todos contra o trabalhador (editorial de 5 de dezembro de 2018)

A disputa jurídica em torno da cobrança do imposto sindical levou o governo Jair Bolsonaro a publicar, no início de março deste ano, a Medida Provisória 873/19, que buscou eliminar qualquer possível ambiguidade na CLT e deixar ainda mais claro que é o trabalhador, de forma individual e voluntária, que tem de autorizar o desconto. No entanto, a MP ainda introduziu exigências totalmente desnecessárias e desproporcionais, como a necessidade de cobrança por boleto, em vez do desconto direto em folha – uma formalidade totalmente dispensável, se levarmos em conta que o empregador já manifestou sua intenção de realizar o pagamento.

A MP ainda aguarda a escolha de um relator na comissão mista de deputados e senadores, e corre o risco de caducar no fim de junho. Por mais que o artigo 611-B da CLT e o Supremo já sejam claros, o texto publicado por Bolsonaro serviria para acabar de vez com as dúvidas sobre a autorização individual para a cobrança; por isso, o ideal seria que os congressistas aprovassem a MP, eliminando dele os trechos excessivos, como o referente ao boleto bancário. Quanto aos sindicatos, que saibam cumprir a lei, esforçando-se para conquistar mais filiados, e não para buscar vitórias duvidosas nos tribunais.

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