Os tributos são necessários em qualquer sociedade, e entre os maiores desafios de um bom sistema está a justiça fiscal. A questão mais importante é saber como ter o melhor sistema possível, ou seja, uma política de incidência de impostos que não atrapalhe o desenvolvimento e que contribua para a melhoria do bem-estar social. Um dos aspectos aceitos no mundo todo é cobrar mais tributos sobre bens e serviços de menor necessidade e sobre produtos de luxo que não fazem parte da lista de mercadorias necessárias para a vida (no sentido de sua indispensabilidade). Assim, uma joia cara deve ser tributada mais do que o leite ou o feijão, pois é consumida pelas classes ricas e não se constitui necessidade vital, enquanto os outros são de consumo popular e são gêneros de primeira necessidade. Os tributos destinam-se a financiar os serviços do governo, devem ser proporcionais ao tamanho da produção nacional e, se possível, devem ser moderados. Esses são os aspectos principais da chamada justiça fiscal.

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Há certo consenso de que uma carga tributária superior a 25% da renda total do país tende a criar dificuldades para o processo produtivo, além de significar exagero na renda transferida da população para o governo. No Brasil, a carga de tributos já está perto de 40% da renda nacional, o que é, sem dúvida, muito alta em termos absolutos e é considerada exagerada diante da renda média por habitante no país. Ressalve-se que a alta carga de tributos decorre do tamanho do setor público que a so­­ciedade brasileira montou e que precisa sustentar, razão pela qual qualquer governante tem dificuldade em baixar a carga tributária total, por mais que os empresários gritem o tempo todo contra ela.

A injustiça fiscal se aprofunda quando o go­­verno resolve utilizar os tributos para fazer políti­­ca econômica, incentivar alguns setores, distribuir renda ou tentar conter crises. Ainda que seja legítimo o governo usar a tributação para esses fins, o risco é transformar a cobrança de impostos em algo distorcido, beneficiando empresas e setores específicos, selecionados pelos políticos no poder, sem dar o mesmo tratamento ao resto da economia. É o caso do que ocorreu com o setor automotivo e com os produtos da chamada "linha branca", basicamente os eletrodomésticos. Para enfrentar a crise, o governo reduziu o Imposto sobre Pro­­dutos Industrializados (IPI) na venda de veículos, medida que contribuiu para o bom desempenho nas vendas do setor e para a contenção das demissões. Seguindo igual política, o governo reduziu tributos sobre produtos da linha branca, com os mesmos efeitos.

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Não se podem negar os resultados positivos das medidas em relação aos objetivos buscados. Porém fica a pergunta: é justo que um país reduza tributos sobre veículos, enquanto gêneros de primeira necessidade, como alimentos e medicamentos, con­­tinuam tributados e pesando no bolso das famílias, sobretudo das camadas mais pobres? A resposta parece ser não. Todavia, não existe solução fácil. Por mais que haja certo grau de injustiça fiscal nesse tipo de escolha, o governo preferiu alguma injustiça de natureza fiscal para obter alguns efeitos positivos sobre a produção e o emprego. Há de se chamar a atenção para um risco dessa prática, que consiste na possibilidade de o país acostumar-se a usar tais artifícios a cada crise, ou a cada percalço na economia, transformando a política tributária em arma para atacar problemas estruturais, ou conjunturais, sem consideração com os efeitos colaterais negativos. Tal caminho reduz de forma grave a justiça fiscal sistêmica, a qual é desejável e necessária para a melhoria da economia e da ética social no longo prazo.

O governo do PT, nos dois mandatos do pre­­sidente Lula, nunca foi muito afeito ao debate so­­bre teorias e conceitos a respeito do sistema tributário, preferindo administrá-lo ao sabor das suas crenças e dos problemas econômicos do momento. É um comportamento que facilita o trabalho do governante e dá maior campo de ação no manejo dos instrumentos de tributação, mas, ao mesmo tempo, diminui a qualidade do sistema tributário quanto à sua neutralidade sobre o crescimento da economia e reduz a justiça fiscal. O sistema tributário brasileiro já era considerado um dos freios ao crescimento mais veloz da produção, em face da alta taxa de tributação geral. Ago­­ra, mais um problema é adicionado: os benefícios concedidos a setores específicos abrem es­­paço a pressões para que, no futuro, outros seg­­men­­tos produtivos peçam o mesmo tratamento, sobre os mais variados argumentos. Em matéria de tributação, a melhor política é não inventar demais, seguir as receitas conhecidas no mundo mais evoluído e somente fazer exceções quando a situação for grave o suficiente para justificar medidas não convencionais.