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Um dos principais requisitos para um país receber investimentos privados nacionais e estrangeiros está no que se convencionou chamar de "segurança jurídica". Por essa expressão entenda-se um ambiente institucional com uma Constituição em pleno funcionamento, um Poder Judiciário independente, leis estáveis e válidas, garantia aos contratos juridicamente perfeitos e certeza quanto à validade das leis e atos do poder público nas esferas federal, estadual e municipal. Qualquer dúvida em relação a um desses aspectos é suficiente para assustar os investidores e afugentar investimentos.

A reunião do Conselho de Política Fazendária (Confaz), ocorrida no Paraná no início de julho, foi uma oportunidade para os representantes fazendários dos estados e da União refletissem sobre o caos jurídico no qual se transformou a legislação tributária brasileira, particularmente a legislação do ICMS. As leis e as normas estaduais sobre a concessão de isenções e benefícios fiscais para atração de investimentos somente podem ser implantadas mediante concordância unânime do Confaz. Como a unanimidade nessa matéria sempre foi muito difícil, já que a lei de um estado pode "roubar" investimentos de outros estados, alguns governadores resolveram legislar sem submeter suas propostas ao Confaz.

Esse comportamento abriu brecha para que governadores insatisfeitos ingressassem no Superior Tribunal Federal (STF) com ações de inconstitucionalidade das leis que concedem benefícios e isenções sem aprovação pelo Confaz. Foram criados, no mínimo, dois imensos problemas. Um é que, caso o STF declarasse inconstitucional qualquer norma estadual, os benefícios deveriam não mais ser concedidos. Outro é que os investidores ficariam sem saber que tratamento seria dado aos benefícios passados já usufruídos e apropriados pelas empresas. Pois é isso que vem acontecendo. O STF declarou inválidas diversas leis estaduais que concederam benefícios fiscais para atrair investimentos, e a confusão está estabelecida.

Os estados brasileiros optaram pelo caminho da ilegalidade nessa matéria, o que é um problema de insegurança jurídica e também uma questão ética. Se o agente público se dispõe a descumprir a Constituição e comete ilegalidades, que moral resta ao Estado para exigir que a empresa e o cidadão ajam de forma diferente? Toda ação estatal tem, além dos efeitos econômicos, consequências éticas e pedagógicas. Quando age, o governo sinaliza para a sociedade o que pode e o que não pode ser feito. Se o governo comete ilegalidades, fica difícil cobrar dos contribuintes pessoas físicas e jurídicas que tenham comportamento legal e reto.

Após a avalanche de ações declarando ilegais os atos dos estados, ficou claro que a tal "guerra fiscal" não é apenas uma briga entre os estados na disputa por investimentos. É também a construção de um edifício de ilegalidades cometidas por agentes públicos e uma imensa contribuição para aumentar a insegurança jurídica no país. Esse caos legal prejudica a atração de investimentos privados estrangeiros e desestimula os investidores nacionais, com prejuízos substanciais para o crescimento econômico. O quadro geral da guerra fiscal chegou a um ponto de deterioração tal que já está mais do que na hora de uma solução definitiva.

O governo federal entrou na briga para exigir dos estados que acabem com essa guerra e coloquem ordem na baderna legal que eles armaram. Quando se pensava que os estados podiam aceitar que é do interesse de todos fazer uma limpeza nessa área, surgem alguns governantes dizendo que concordam em tratar do fim da guerra fiscal apenas se o governo federal se dispuser a renegociar a dívida deles para com a União. Esse tipo de proposta sugere que a guerra fiscal é um problema da União. E não é. Trata-se de um problema dos estados, criado por eles, que prejudica a eles e ao país.

A culpa do governo federal está em sua lentidão, pois já passou da hora de o Poder Executivo enviar ao Congresso Nacional uma proposta de reforma exequível em relação ao ICMS, cujas distorções são tantas e tão graves que ninguém mais ousa defender suas eventuais qualidades. Do jeito que está, o ICMS é um imposto ruim, ineficiente e caro em termos de arrecadação e fiscalização, além de ser vulnerável a fraudes e corrupção.

Alguns progressos foram feitos na reunião do Confaz em Curitiba, mas estão ligados a questões sobre tributação de importação e exportação, sem qualquer relação com a guerra fiscal. A única chance de botar freio na disposição dos estados em seguir com a prática de legislar sem passar pelo Confaz está nas decisões do STF, que, mais uma vez, surge para cobrir lacunas deixadas pelo Poder Legislativo. Depois, não adianta reclamar que o STF vem se tornando um órgão legislador. Ele o faz porque o parlamento se omite.

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