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A insegurança jurídica e a fuga de investimentos
| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Empresários, investidores institucionais, fundos de financiamento, sejam nacionais ou estrangeiros, sempre que perguntados a respeito de quais condições são as mais importantes para suas decisões de investimento empresarial, especialmente quanto ao local preferido em suas escolhas, respondem que uma das mais importantes, se não a mais importante, é o ambiente institucional e a segurança jurídica correspondente. A principal razão dessa resposta é que, no mundo dos investimentos e dos negócios, as incertezas e os riscos desempenham papel decisivo nas escolhas dos países e atividades para investir.

Sob o arco da expressão “segurança jurídica” estão inseridas características presentes no corpo de leis, na estrutura judicial e no ambiente político, especialmente estabilidade política, Estado de Direito, liberdade econômica, estabilidade monetária, garantia do direito de propriedade e sistema judicial rápido e eficaz. Também é considerado mais atrativo o país com abertura ao exterior, inserção no mercado internacional e mercado funcionando sob os princípios da livre iniciativa e da liberdade de trocas e de preços.

No plano constitucional, o Brasil atende quase todas essas características; no entanto, os tribunais, especialmente os tribunais superiores, não raro tomam decisões de alto impacto em flagrante desrespeito às normas constitucionais e disposições constantes das leis complementares e ordinárias. Quando o sociólogo francês Émile Durkheim cunhou a expressão “anomia social”, o mundo passou a compreender melhor os efeitos negativos sobre a vida individual, coletiva, empresarial e política decorrentes do desrespeito às normas e regras legais que regem a vida individual e coletiva em todos seus aspectos.

A exigência de cobrança retroativa da CSLL desde 2007 a empresas que tinham decisão definitiva a seu favor deixa claro que, neste país, o passado é incerto e decisões judiciais transitadas em julgado podem ser modificadas contra os beneficiados

Anomia é a negação das normas legais e das regras de convívio social e dos atos individuais e coletivos no âmbito das pessoas naturais, pessoas jurídicas e instituições sociais. Quanto ocorre esse tipo de situação, a crise se instala e atinge a vida social por inteiro, com o corolário de reduzir drasticamente a função das leis, das normas públicas e da própria Constituição. No mundo dos negócios e das ações afetas à operação econômica geral da nação, os prejuízos são dramáticos e conduzem a inibição da atividade econômica, retração de investimentos, desemprego, pobreza e atraso.

É nesse contexto que se insere, por exemplo, a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em fevereiro deste ano, pela qual o tribunal mudou sentenças transitadas em julgado sobre o recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Certas empresas não vinham recolhendo a CSLL por terem decisão judicial definitiva a seu favor, mas, em 2023, o STF resolveu modificar a chamada “coisa julgada” e obrigar as empresas a recolherem o tributo retroativamente desde 2007. Mesmo admitindo que o STF poderia firmar novo entendimento, o mínimo que se poderia esperar seria a imposição às empresas para que passassem a recolher o tributo apenas a partir do novo entendimento.

A exigência de cobrança retroativa do tributo desde 2007 – cobrando-se, portanto, os valores dos últimos 15 anos de empresas que tinham decisão definitiva a seu favor – deixa claro ao Brasil e ao mundo que, neste país, o passado é incerto e decisões judiciais transitadas em julgado podem ser modificadas contra os beneficiados e incidir sobre o passado, em claro desrespeito ao princípio de que a lei somente pode retroagir para beneficiar, não para prejudicar. Esse tipo de situação gera risco e incertezas brutais, pois é uma espécie de anomia social em que as leis e as decisões passadas transitadas em julgado valem, mas podem não valer se assim quiser o STF.

Confrontados com esse tipo de decisão, empresários e investidores internacionais são induzidos a fugir em busca de lugares que não tenham a mesma colossal insegurança jurídica que vige no Brasil. Quanto aos empresários nacionais, eles terão mais um estímulo para pensar em investir seus recursos no exterior, pois nada mais natural que a busca de lugares em que incertezas e riscos sejam menores. A decisão do STF provocou indignação entre juristas e no meio empresarial, inclusive porque a decisão gera repercussão em casos julgados sobre assuntos tributários nas esferas municipais, estaduais e federal.

O julgamento dos recursos impetrados no STF para esclarecer como será a cobrança está suspenso desde meados de novembro graças a um pedido de vista de Dias Toffoli. As empresas buscavam ao menos conseguir a modulação do efeito para que o recolhimento do tributo passasse a valer a partir de fevereiro deste ano, pois a obrigação de pagamento retroativo a 2007 pode ser uma sentença de morte para algumas delas. Parece óbvio a qualquer principiante em lógica jurídica que os efeitos de uma decisão devem valer apenas para o futuro e não para um passado que já estava sob decisão transitada em julgado – a não ser, repetindo, que a modificação da coisa julgada viesse para beneficiar. No entanto, apesar da suspensão, já existe maioria de sete ministros contrários à modulação, enquanto apenas dois consideraram que só seriam devidos os valores posteriores à decisão do STF. Mantida a decisão pela retroatividade, o movimento natural será a fuga de capitais e o desestímulo para o ingresso de novos capitais estrangeiros destinados ao setor produtivo real. É mais um ato contra o crescimento econômico do país.

O economista Douglass North, prêmio Nobel de economia, é reconhecido por seus estudos sobre a qualidade das instituições como fator de atração de capitais estrangeiros e indutor do crescimento econômico. Não se pode falar de alta qualidade de instituições em um país no qual os tribunais superiores desdenham de princípios basilares do Estado de Direito, entre eles a validade da coisa julgada e a não retroatividade de decisões punitivas a quem agiu respeitando decisão judicial anterior. Em matéria econômica e financeira, a confiança nas instituições é uma peça-chave para induzir investimentos, negócios e crescimento econômico e social da nação. Porém, se a suprema corte espalha dúvidas e incertezas por meio de decisões que tornam o passado também incerto, a consequência é menos investimentos, fuga de capitais e perpetuação do atraso e da pobreza.

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