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O advogado-geral da União, Jorge Messias.
O advogado-geral da União, Jorge Messias.| Foto: Renato Menezes/Ascom AGU

Quando a esquerda é incapaz de fazer prevalecer suas plataformas no Congresso Nacional, o que ela faz? Corre para o Supremo Tribunal Federal, obviamente, para conseguir no tapetão o que não consegue por lhe faltarem bancada própria ou aliados. O exemplo mais recente é o da Lei das Estatais, que o petismo quer desfigurar para, agora que está no poder, voltar a fazer as indicações políticas de sempre. O plano ia muito bem, com a aprovação-relâmpago da alteração na Câmara dos Deputados, digna de um “tratoraço”. Mas a repercussão negativa foi tamanha que o Senado, de forma bastante razoável, resolveu colocar um freio na tramitação ainda no fim do ano passado.

Foi quando entrou em cena o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que em 29 de dezembro do ano passado ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.331, contra os exatos trechos da Lei das Estatais que o governo quer derrubar. Em outras palavras, o PCdoB, agindo como “laranja” de Lula, está pedindo que o Supremo termine o trabalho que o Congresso achou por bem conduzir com mais calma. O partido alega que as vedações legais contrariam os direitos constitucionais à isonomia, à liberdade de expressão e à autonomia partidária.

Lula criticou a judicialização da política em janeiro, mas, comprovando que sua palavra não vale nada, a AGU endossou ação do PCdoB no Supremo para derrubar partes da Lei das Estatais

A pretensão é descabida em todos os sentidos, dos argumentos apresentados ao instrumento escolhido para conseguir a mudança. A regra do artigo 17, parágrafo 2.º, II da lei proíbe a indicação, para a diretoria ou Conselho de Administração de estatais, “de pessoa que atuou, nos últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral”. O inciso III ainda menciona “pessoa que exerça cargo em organização sindical”. O objetivo é muito claro e bastante razoável: preservar as estatais da ingerência política em sua administração. Elas pertencem ao Estado, não ao partido governante; têm de ser conduzidas com critérios técnicos. Não existe, aqui, nenhuma “criminalização da política” – por mais que os políticos tenham usado e abusado das estatais para cometer crimes, como bem demonstrou a Lava Jato, apenas acrescentando mais razões para que houvesse uma lei moralizando as nomeações –, e sim uma preocupação com a governança dessas empresas.

Se o argumento para contestar as vedações legais é fraco, o mesmo se pode dizer do recurso ao Judiciário para derrubá-las. É atribuição do Poder Legislativo definir quem pode ser nomeado para cargos em estatais, como também em muitos outros casos. A Constituição estabelece critérios (por exemplo, de idade) para ocupar cargos eletivos; a Lei da Ficha Limpa determina quem pode se candidatar a esses cargos. Os representantes do povo no Congresso Nacional debateram cada uma dessas situações e estabeleceram essas regras por um processo político totalmente legítimo. A Lei da Ficha Limpa, é verdade, tem muitos inimigos no próprio parlamento, e o Supremo já atuou para desfigurá-la, em mais um de tantos episódios de ativismo judicial e judicialização da política que não deveria se repetir no caso da Lei das Estatais – mas vai, se depender do petismo.

Mas Lula não tinha criticado a judicialização da política um mês atrás? “Eu tenho pedido aos meus colegas líderes do partido que é preciso parar de judicializar a política. Nós temos culpa de tanta judicialização. A gente perde uma coisa no Congresso Nacional e, ao invés de a gente aceitar a regra do jogo democrático de que a maioria vence e a minoria cumpre aquilo que foi aprovado, a gente recorre a uma outra instância para ver se a gente consegue ganhar”, afirmou o presidente a líderes partidários em 27 de janeiro. No entanto, em (mais) uma confirmação de que acreditar na conversa do petista é passar atestado de ingenuidade, no último dia 15 a Advocacia-Geral da União (AGU) mostrou que, na prática, ao PT só interessa a vitória a qualquer custo. Chamada a se pronunciar, a AGU não apenas endossou o procedimento do PCdoB como ainda se manifestou pela derrubada dos trechos questionados na Lei das Estatais.

O desfecho natural da ADI 7.331 seria o indeferimento por inépcia; trata-se de matéria reservada ao Legislativo, e com o Legislativo deve permanecer. Mas infelizmente vivemos tempos de relação disfuncional entre poderes, em que o ativismo judicial é recorrente e já foi praticado em ocasiões anteriores pelo ministro a quem coube a relatoria da ação, Ricardo Lewandowski. Dois anos e meio atrás, quando tomava posse como presidente do Supremo, Luiz Fux disse que o Judiciário deveria dar “um basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar”, recusar a “transferência voluntária e prematura de conflitos de natureza política para o Poder Judiciário” e adotar a “virtude passiva, devolvendo à arena política e administrativa os temas que não lhe competem à luz da Constituição”. Desde então, o conselho nem sempre foi seguido, mas a correção de rumos continua sendo necessária.

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