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| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Na quarta-feira, 19 de dezembro, enquanto o Brasil suspendia a respiração, aguardando o desfecho da liminar de Marco Aurélio Mello que poderia colocar na rua dezenas de milhares de criminosos condenados em segunda instância, um de seus colegas no Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, tomava outra decisão monocrática com outro tipo de consequência, prejudicando o esforço fiscal que o próximo governo terá de fazer para ajeitar suas contas. Lewandowski suspendeu a Medida Provisória 849, editada por Michel Temer e que adiava para 2020 um reajuste salarial para servidores públicos. Com isso, o aumento terá de ser concedido já no início do ano que vem, com impacto de R$ 4,7 bilhões sobre os cofres públicos em 2019.

O ministro, diga-se, não está trazendo novidade alguma. Em 2017, Temer havia editado a MP 805, que também previa o adiamento das duas etapas restantes do aumento acertado com os servidores em 2016, além de aumentar a contribuição previdenciária dos servidores que ganhassem acima de R$ 5,3 mil, o teto do INSS. Partidos políticos e entidades que representam os servidores foram, então, ao Supremo, e Lewandowski decidiu, em 18 de dezembro daquele ano, por liminar, derrubar a MP 805.

A decisão monocrática de um ministro do Supremo se impôs sobre a realidade de um Estado que tem déficits bilionários

O calendário, aqui, importa. Temer tinha assinado a MP 805 em 30 de outubro, e em novembro ela já tinha sido questionada no STF. Mas Lewandowski esperou até a segunda quinzena de dezembro, as vésperas do início do recesso judiciário, para conceder a liminar. O plenário não teria como se reunir até o aumento começar a vigorar, e mesmo depois que o Supremo voltou ao seu funcionamento normal, em fevereiro de 2018, Lewandowski não fez a menor questão de liberar o assunto para ser incluído na pauta da corte. Em abril, a MP caducou e, no fim, a decisão monocrática de um ministro do Supremo se impôs sobre todo o resto, inclusive a realidade de um Estado que acumula déficits bilionários.

Desta vez, o governo se antecipou e a MP 849 foi editada em agosto, com as esperadas ações de inconstitucionalidade sendo protocoladas já em setembro. Mesmo assim, a liminar de Lewandowski só veio, mais uma vez, muito perto do recesso judiciário – se a tática havia funcionado no ano passado, por que não haveria de funcionar neste ano?

Em comparação com o ano passado, há duas diferenças que merecem ser citadas. Uma é o fato de Lewandowski efetivamente ter liberado para análise do plenário, no início de dezembro, algumas das ações que questionavam a MP 849. No entanto, o presidente da corte, Dias Toffoli, não as incluiu em nenhuma das sessões de dezembro. Por isso, Lewandowski teria concedido a liminar. Isso, no entanto, não serve de justificativa, já que o reajuste poderia muito bem ser objeto de deliberação da corte após o retorno do recesso, com um eventual pagamento retroativo aos servidores caso o plenário decidisse pela inconstitucionalidade da MP.

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O outro aspecto a ressaltar é o calcanhar de Aquiles da nova medida provisória editada por Temer: a similaridade entre as MPs 805 e 849 esbarra no parágrafo 10 do artigo 62 da Constituição: “É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo”. Como a MP 805 caducou em abril, e ela também tratava do reajuste a ser concedido em janeiro de 2019, os autores das ações alegaram (e Lewandowski concordou) que o governo federal não poderia reeditá-la no mesmo ano legislativo. Faltou competência à Advocacia-Geral da União para encontrar os argumentos que rebatessem satisfatoriamente a alegação, limitando-se a afirmar que “a similitude de redação dos textos dos atos normativos, por si só, não induz à conclusão de que há reedição de medida provisória. Importa, na hipótese, as circunstâncias de fato pretensamente disciplinadas”. Também não ajudou muito o fato de a exposição de motivos da MP 849 afirmar que a MP 805 “dispunha sobre o mesmo tema da presente proposta”.

O que temos, então, é uma sequência de irresponsabilidades e erros. O governo federal, ciente da grave situação fiscal do país, foi irresponsável ao acertar o reajuste com o funcionalismo em 2016, acordo que resultou em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional. Se não fosse por isso, talvez nem mesmo a MP 805 tivesse sido necessária. Uma vez editada a MP, a intervenção de Lewandowski em dezembro de 2017, com um timing perfeito para fazer prevalecer sua vontade sem a necessidade de consulta ao plenário do STF, contribuiu para debilitar os cofres públicos. O que nos leva ao imbróglio atual, em que o governo publica uma nova MP, correndo o risco de desrespeitar uma vedação constitucional, e o mesmo Lewandowski repete o expediente de conceder liminar às vésperas do recesso legislativo. Nesta mistura de inconsequência fiscal inicial e ativismo judicial posterior, uma categoria – que, lembremos, já costuma receber mais, em média, que cargos do mesmo nível na iniciativa privada, e passou incólume pelo pior efeito da crise, o desemprego – acaba beneficiada em detrimento de todo um país.

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