| Foto: Beto Barata/Presidência da República

“Sou ministro dos que ganham menos. Não sei quanto os outros ministros ganham, mas como ministra, esse mês, vou receber R$ 2,7 mil.” É incrível como a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, não desistiu da vitimização mesmo depois que o escárnio com que tratou o cidadão brasileiro pagador de impostos caiu na boca do povo. Em entrevista à Rádio Gaúcha no dia 2 de novembro, Luislinda insistiu em seu suposto direito de receber pouco mais de R$ 61 mil mensais, acumulando sua aposentadoria como desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia e os proventos de ministra. O valor, obviamente, não tem como ser pago, pois ultrapassa o teto constitucional de R$ 33,7 mil, o salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal. “É justo? O Brasil está sendo justo comigo?”, questionou na entrevista. Se ela se refere às críticas sofridas, sim, o Brasil está sendo muito justo com Luislinda.

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A ministra conhece muito bem – e falha caso não conhecesse, tendo passado anos no ambiente do Judiciário – as regras do teto constitucional. Só por isso já seria descabido o pedido feito ao governo para acumular o salário e a aposentadoria. Mas Luislinda não achou suficiente atropelar a regra: justificou-se fazendo comparações com o trabalho escravo. “Todo mundo sabe como aconteceu a escravidão, não se tinha salário, nada”, diz a ministra. Exatamente: porque “todo mundo sabe como aconteceu a escravidão” é que o Brasil ficou indignado com as afirmações de Luislinda. Seu salário líquido ajustado para não desrespeitar o teto constitucional, R$ 2,7 mil, ainda é quase três vezes maior que o salário mínimo vigente e também supera a média salarial do brasileiro, que é de quase R$ 2,5 mil segundo o Cadastro Central de Empresas, do IBGE. E nem é preciso falar nada de sua aposentadoria, que supera os sonhos da maioria dos brasileiros.

Luislinda é tão livre que pode até mesmo recusar o cargo na Esplanada dos Ministérios e evitar os respectivos fardos

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Difícil saber se a ministra realmente esperava condescendência dos brasileiros ao fazer a comparação, que já seria esdrúxula em qualquer situação, mas ganha ares de deboche ainda maior neste momento em que o Brasil discute como punir corretamente o verdadeiro trabalho escravo, que ainda existe e aflige muita gente nos rincões mais esquecidos deste país. Pessoas submetidas a jornadas extenuantes, que mal recebem para comer, que acumulam dívidas criadas de forma fraudulenta e que as prendem ao local de trabalho, que convivem com seguranças armados restringindo seu direito de ir e vir.

Nada disso, é claro, serve para descrever a situação de Luislinda Valois – ela é tão livre que pode até mesmo recusar o cargo na Esplanada dos Ministérios. Assim, afastaria de si fardos como o “apartamento alugado aqui [em Brasília], onde eu pago condomínio de quase R$ 1.650, não me lembro agora o valor exato” e a exigência de usar roupas formais, já que em Salvador, “como aposentada, podia vestir qualquer roupa, eu podia calçar uma sandália havaiana e sair pela rua”.

Leia também: Os altos salários nas ilhas da fantasia (artigo de Edson Ramon, publicado em 7 de setembro de 2017)

Leia também: Seguir exemplos ou dar exemplos? (editorial de 9 de julho de 2014)

“Não sei por que essa celeuma”, disse a ministra à Rádio Gaúcha. Antes disso, ainda insinuou que o país se indignou por pouca coisa. “Tanta coisa que tem que se fazer no país e as pessoas ficam se apegando a miudezas?”, perguntou, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo. Respeito à lei e o uso correto do dinheiro público, ao contrário do que crê Luislinda, não são “miudezas”. São o mínimo que se espera de qualquer agente público. Mas, quando alguém indicado justamente para olhar pelos mais vulneráveis, em um país marcado por privilégios imorais, ganha as manchetes não pelo bom trabalho realizado, mas pela reivindicação de mais benesses (das quais, agora, a ministra afirma ter desistido após a entrevista radiofônica), não tem o direito de se espantar quando vira alvo da indignação generalizada.

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