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| Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Em meio à quebradeira geral dos estados, o governo federal está considerando a criação de um plano alternativo ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o mecanismo criado na gestão Michel Temer para oferecer algum socorro às unidades da Federação que ignoraram a responsabilidade e o bom senso, mergulhando em uma espiral de gastos sem fim. De acordo com o Tesouro Nacional, o programa está sendo costurado com o Banco Mundial e permitiria aos estados conseguir até R$ 24,5 bilhões em crédito, tendo a União como garantidora, desde coloquem em prática planos severos de ajuste fiscal para consertar as finanças depauperadas.

O novo plano contemplaria as unidades da Federação que têm as piores notas (C e D) no Capag, índice criado em 2017 e que mede a capacidade de pagamento dos estados. Hoje, apenas o Espírito Santo tem nota A, enquanto o Distrito Federal e mais 12 estados (Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins) têm notas C e D, que impedem os gestores de contrair empréstimos com garantias da União. Alguns desses estados chegaram até mesmo a decretar calamidade econômica no início deste ano, juntando-se a Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que já haviam tomado medida idêntica anteriormente – os mineiros, aliás, só não entraram na relação de estados com piores notas porque não enviaram seus dados e, portanto, nem foram avaliados no Capag.

Os governadores se acostumaram a administrar de forma totalmente irresponsável, certos de que seriam socorridos

Assim que as regras estiverem definidas, será preciso aprovar este novo plano no Congresso Nacional, algo que não deverá apresentar grandes dificuldades, dada a quantidade de interessados na ajuda governamental. A pergunta que tem de ser feita é bem mais prosaica: o plano funcionará? Se depender do precedente estabelecido no Regime de Recuperação Fiscal, a resposta não é animadora. O Rio de Janeiro, único estado até agora a cumprir os requisitos para entrar no RRF, ainda não entregou as contrapartidas acertadas com o governo federal, especialmente no caso da privatização da Cedae, a estatal de água e esgoto. Algumas das exigências que a União pretende fazer aos estados que aderirem ao novo plano de socorro não diferem daquelas previstas no RRF, como a garantia de que o funcionalismo não receberá reajustes salariais. A Secretaria do Tesouro Nacional diz estar atenta a essa realidade, mas encontrar um meio de garantir que os estados coloquem em prática as medidas de ajuste fiscal é um desafio que o governo federal ainda não resolveu.

Tão efetivo quanto criar novas normais legais para conseguir que os estados acertem suas finanças é cumprir as leis já existentes – no caso, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Código Penal. De acordo com dados enviados pelos próprios estados ao Tesouro, nove governadores – Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins – deixaram, ao fim de 2018, um rombo combinado de R$ 71 bilhões. Em alguns casos, faltou dinheiro até mesmo para as despesas com saúde e educação. É o tipo de infração que colocaria o gestor na cadeia por até quatro anos, além de resultar em sua inelegibilidade. No entanto, até hoje nenhum ex-governador sofreu as consequências dessa prática.

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Todas essas circunstâncias – exigências que são descumpridas, irregularidades que não são punidas – criam o “risco moral” denunciado pela gestão anterior da Secretaria de Tesouro Nacional, em relatório divulgado no fim do ano passado. Os governadores se acostumaram a administrar o dinheiro de seus contribuintes de forma totalmente irresponsável, contando que o governo federal, mais cedo ou mais tarde, viria em seu socorro, e que eles jamais responderiam criminalmente, mesmo descumprindo claramente a Lei de Responsabilidade Fiscal. O ajuste dos estados é tão necessário quanto o ajuste no governo federal, mas não adianta apenas repetir as estratégias que não funcionaram no passado. Sem algo diferente, o plano que o Tesouro vem considerando corre o risco de naufragar, jogando nas costas da União o prejuízo da irresponsabilidade dos estados.

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