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Lei que dispensa agentes políticos de apresentar relatórios de trabalho representa retrocesso no combate à praga dos funcionários fantasmas

Os deputados estaduais do Paraná mais uma vez deram prova de seu descompromisso com a transparência e com a moralidade dos atos que praticam. A última demonstração deste comportamento se deu nesta semana, quando, em votação relâmpago, a Assembleia aprovou projeto de lei que dispensa cerca de mil servidores do Legislativo de comprovar que de fato trabalham e fazem jus aos salários que o povo lhes paga. A medida contraria outro dispositivo, aprovado em 2010 pela própria Assembleia, que exigia comprovação de atividade por parte de funcionários dispensados de bater ponto na repartição.

A origem da lei de 2010 foi a série "Diários Secretos", veiculada por este jornal e pela RPCTV, que revelou a existência de centenas de funcionários fantasmas, nomeados à sorrelfa por diretores do Legislativo num esquema que desviou milhões de reais dos cofres públicos. Diante do escândalo, a Assembleia tomou algumas providências, dentre as quais a de obrigar a apresentação de relatórios mensais de atividade por parte de servidores residentes em municípios do interior, designados burocraticamente como "agentes políticos".

Sem dúvida, foi um avanço, embora insuficiente. Os tais "agentes políticos" são de livre escolha dos deputados, nomeados para cargos comissionados – isto é, sem concurso – e lotados em seus respectivos gabinetes. Teoricamente, devem estar presentes e disponíveis nas "bases" dos parlamentares que os nomearam para atender os eleitores e cumprir tarefas de representação do mandato. Mas ninguém garante ter certeza nem de que trabalhem e, muito menos, de que efetivamente estejam a serviço do interesse público, requisito indispensável para que sejam remunerados pelos cofres públicos.

Afora a evidência de que o dispositivo anterior era praticamente inócuo no sentido de evitar a fantasmagoria, há um outro ponto a que se dá pouca atenção quando se trata de debater a ética e a legalidade da existência desses agentes políticos, na medida em que se sabe que sua atuação, de modo geral, inclui prestar serviços análogos aos de cabos eleitorais – isto é, manter ou cabalar votos para os deputados que os nomearam, o que poderia ser caracterizado, ainda que indiretamente, como financiamento público de campanhas. Enquanto não houver lei que estabeleça esta modalidade de custeio das campanhas, é no mínimo ilegal e imoral colocar a conta nos ombros do contribuinte.

A nova lei, que contou com apoio tanto da situação quanto da oposição, torna ainda mais ampla esta possibilidade: por ela, os agentes políticos tornam-se desobrigados de apresentar relatórios de atividade (coisa, aliás, que poucos já cumpriam), mas responsabiliza os deputados que os nomearam pela irregularidade de pagar salários a quem não trabalha. Na verdade, parece ter sido uma artimanha dos autores do projeto de lei – o presidente da Assembleia, deputado Valdir Rossoni, e o primeiro-secretário, Plauto Miró – visando a furtar-se de dar explicações ao Ministério Público Estadual, que lhes cobrava a publicação na internet dos tais relatórios.

Sem dúvida, o afrouxamento da lei de 2010 – que já não era tão rigorosa nem tão eficaz – representa um retrocesso na direção dos velhos e condenáveis costumes da Casa, que volta a abrir portas para práticas irregulares. Se a medida extinta dava margem à elaboração de falsos relatórios, como argumentaram os autores da nova, o correto agora seria a adoção de outros meios de averiguação e de penalização dos responsáveis, e não o acobertamento pela via do corporativismo autoprotetor que transfere a vigilância para os próprios deputados que nomearam os agentes políticos.

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