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A comemoração do Dia da Procla­­mação da República ocorre hoje com mais uma rodada de marchas contra a corrupção no país. Há muito a fazer para corrigir as distorções institucionais e culturais dos brasileiros. Se por república entende-se o regime de governo no qual há eleições periódicas, cidadãos livres e iguais e responsabilidade no trato da "coisa pública" – que deve ser utilizada para o benefício da coletividade – é fácil perceber que será necessária uma mudança de comportamento significativa para tornar o país republicano.

Não é à toa que pessoas insatisfeitas prometem ir às ruas hoje. Embora os saudosos analistas políticos gostassem de ver milhões de pessoas nas ruas – numa mimetização do movimento das Diretas Já – os protestos acontecem na casa dos milhares de cidadãos. Não por isso são menos importantes, dado o cenário econômico favorável e a cultura da acomodação que impera no país. Acabam por se mostrar como sintomas de que os assuntos públicos não estão sendo conduzidos da forma esperada. Os insatisfeitos escolheram as ruas como método de protesto contra a apropriação indevida do estado por grupos partidários.

O que se vê é o desejo de parcela da sociedade em acabar com o patrimonialismo. As passeatas que passaram a ser organizadas desde o Sete de Setembro são sintomas de que parte das pessoas entendeu que não adianta ficar parada reclamando do status quo em casa. Se há algo errado com a nação, é preciso se mexer, mesmo que apenas simbólico. Ainda é pouco. Esses movimentos, mesmo conseguindo a repercussão de seus atos, não conseguem apontar soluções consistentes e viáveis para serem implementadas no ambiente político brasileiro. Falta método e consenso.

Alguns grupos até tentam estabelecer uma pauta de projetos de lei para coibir a corrupção. Um deles, o "Grupo Brasil Unidos Contra a Corrupção" vem elaborando e buscando apoio para uma pauta de reivindicações legislativas, entre elas tornar a corrupção crime hediondo. Já o Movimento do Voto Distrital aposta na reforma política – em especial a implantação de eleições distritais para o Legislativo – para facilitar o controle do eleitor sobre os representantes eleitos. Entretanto, propostas dessa natureza acabam esbarrando em dois problemas. O primeiro, a dificuldade de se estabelecer um consenso mínimo dos participantes das marchas sobre esses assuntos. O segundo, o trâmite legislativo de projetos de lei depende de vontade política e de discussão no Congresso Nacional.

Além dos entraves práticos para a implantação das propostas que esses grupos organizados defendem, há outro ponto problemático. As iniciativas concentram sua atenção nas mudanças institucionais e legislativas. Não trabalham a cultura. E sem o aprimoramento cultural as mudanças no plano institucional terão eficácia limitada. Não existe arranjo institucional perfeito e à prova do jeitinho brasileiro.

Novas regras institucionais e desenvolvimento de valores de interesse público precisam ser desenvolvidos em conjunto. Até porque é reconhecido internacionalmente o déficit cultural brasileiro. A Unidade de Inteligência da The Economist, que organiza a cada dois anos o Índice da Democracia, mostra no relatório de 2010 que o Brasil ocupa a 47.ª posição, atrás de países como Panamá (46.º) Botsuana (35.º) e Timor Leste (42.º). O motivo da péssima colocação é justamente a falta de cultura e de participação política da população brasileira. Numa escala de zero o Brasil tem notas muito baixas nos subíndices Participação Política (nota 5) e Cultura Política (nota 4,38).

Para alterar esse índice revelador da acomodação brasileira, certamente não bastam leis. Será necessário um esforço da sociedade para estabelecer iniciativas educacionais que permitam a reversão do déficit de participação e cultura política brasileira.

É um caminho mais difícil que aprovar leis. Exige investimentos de tempo e dinheiro de governos, mas não só dele. Exige adesão de escolas, universidades e outros atores sociais. Pode demorar décadas. Mas sem o desenvolvimento de uma educação republicana a população brasileira continuará a aceitar apática a apropriação do Estado por alguns grupos políticos. Continuará a aceitar a desigualdade de tratamento. Continuará a aceitar um poder público que não responda às suas necessidades de forma adequada.

Os manifestantes que vão às ruas hoje protestam contra a corrupção. É um bom começo. Mas será melhor ainda se tal movimento crescer a ponto de fazer nascer uma nova cultura política.

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