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A vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018.
A vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018.| Foto: Renan Olaz/CMRJ

A prisão de três pessoas no último domingo, apontadas pela Polícia Federal como os mandantes e o planejador do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, em 2018, mostrou até que ponto o crime organizado já não é mais um “poder paralelo” no Rio de Janeiro: ele já está incrustado nas estruturas institucionais do poder político. Só isso explica que tenham sido presos ninguém menos que um deputado federal, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro e um ex-chefe da Polícia Civil do estado.

As prisões foram possíveis graças às informações dadas por Ronnie Lessa, ex-PM preso em 2019 e acusado de ser o autor dos disparos. Os irmãos Domingos Brazão (conselheiro do TCE-RJ) e Chiquinho Brazão (deputado federal eleito em 2018 pelo Avante e reeleito em 2022 pelo União Brasil) teriam encomendado o crime por questões fundiárias: milícias na Zona Oeste do Rio promoviam expansão ilegal de loteamentos e tentavam regularizar as propriedades posteriormente por meio de projetos de lei na Câmara Municipal, aos quais Marielle se opunha. Já o delegado Rivaldo Barbosa teria sido o planejador do crime e, dentro da Polícia Civil, garantiria que os verdadeiros responsáveis pelo crime jamais fossem identificados. Para ocultar ainda melhor a trama, Barbosa – que assumiu a chefia da Polícia Civil na véspera do crime – se aproximou da família de Marielle, prometendo empenho nas investigações; sua prisão foi recebida com enorme surpresa pelos familiares e por políticos do PSol, partido da vereadora, como o ex-deputado Marcelo Freixo.

Traficantes e milicianos são, hoje, os verdadeiros governantes do Rio, mas derrotá-los e devolver o território aos cariocas que só desejam levar suas vidas honestamente exigirá muito mais que tudo o que já foi feito até agora

Várias regiões do Rio de Janeiro já haviam se tornado propriedade particular das facções criminosas, que se fortaleceram durante décadas, contando inclusive com a conivência dos poderes constituídos – o ex-governador Leonel Brizola e o Supremo Tribunal Federal estão entre os que simplesmente impediram a polícia de subir os morros e reivindicá-los de volta, condenando os cariocas honestos que vivem nessas favelas a se tornarem eternos reféns dos traficantes. Mais recentemente, as milícias surgiram para disputar espaço com o tráfico, e mesmo antes da elucidação da morte de Marielle já se sabia que elas vinham tendo mais sucesso que as facções criminosas em infiltrar estruturas e órgãos de governo. O crime de que os Brazão e Silveira são acusados é demonstração da audácia dos milicianos e de sua disposição em eliminar qualquer oposição a seus planos.

A prisão do trio também mostra como a politização de um crime pode atrapalhar sua elucidação. Em sua coluna na Gazeta do Povo, o senador Sergio Moro lembrou que já em 2019 a Polícia Federal tinha indícios de que Domingos Brazão poderia estar ligado ao assassinato de Marielle e Anderson, como resultado de uma investigação iniciada ainda em 2018, no governo de Michel Temer, motivada por suspeitas de obstrução à Justiça. Tanto a família de Marielle quanto políticos de esquerda, no entanto, se opuseram veementente à federalização do caso durante o governo Bolsonaro; a PF só assumiu de vez a apuração do crime em 2023, já com Lula no poder – e é preciso reconhecer que ainda depois disso a mãe de Marielle seguiu contrária à federalização. Nesse ínterim, não faltaram tentativas de associar o próprio Bolsonaro ao crime, e mesmo depois das prisões de domingo a esquerda continuará tentando capitalizar politicamente, já que a nomeação de Silveira como diretor-geral da Polícia Civil fluminense se deu durante a intervenção federal na segurança pública do estado, e o interventor era o general Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022.

O assassinato de Marielle pode ter sido devidamente elucidado, o que é motivo de celebração, mas as investigações não podem terminar por aí; é preciso apurar até que ponto as milícias se apossaram das estruturas de Estado no Rio de Janeiro e as colocaram a serviço do crime. Traficantes e milicianos são, hoje, os verdadeiros governantes do Rio, mas derrotá-los e devolver o território aos cariocas que só desejam levar suas vidas honestamente exigirá muito mais que tudo o que já foi feito até agora.

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