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Por anos a fio o governo federal incentivou o consumo no país como maneira de financiar o crescimento. Especialmente a compra de bens como imóveis, veículos e eletrodomésticos de linha branca foi estimulada como se não houvesse amanhã. E a estratégia, que combinava crédito farto e barato com incentivos fiscais, funcionou por algum tempo, sendo um dos fatores (mas não o único) que levou o Brasil a suportar o auge da crise internacional sofrendo poucos danos.

Mas a opção por alimentar o crescimento unicamente estimulando o consumo, em vez de incentivar a poupança e o investimento, tem hora para acabar. No Brasil, essa hora chegou já há algum tempo, quando a economia praticamente parou, o desemprego aumentou e os preços represados pelo governo por conveniência eleitoral tiveram de ser reajustados, levando à espiral inflacionária que o país vive atualmente. Os dados mais recentes do IBGE registram queda de 0,9% nas vendas do varejo em maio deste ano, na comparação com abril – ou, pior ainda, queda de 4,5% em relação a maio do ano passado. É o pior tombo para o mês desde 2003. A explicação de Juliana Vasconcellos, gerente de Serviços e Comércio do IBGE, escancara o óbvio: “A renda e o crédito que estavam incentivando o consumo estão com uma desaceleração nesse ano de 2015”, afirmou, de uma maneira um tanto eufemística, pois em alguns casos não está havendo desaceleração, mas retração: a massa salarial, por exemplo, caiu 10% entre novembro de 2014 e maio de 2015.

A medida se mostra inócua como motor de crescimento, ao insistir em um modelo esgotado

É nesse contexto que precisa ser analisada a medida provisória editada pelo governo federal e assinada pelo vice-presidente Michel Temer, que eleva o limite para crédito consignado de 30% para 35% da renda do trabalhador ou aposentado. O adicional, no entanto, só poderá ser usado para pagar dívidas contraídas no cartão de crédito. Para quem está apertado, é um bom negócio trocar o rotativo do cartão pelo consignado, que oferece juros muito mais baixos e prazos mais longos. Para os bancos, a medida também é interessante pois o empréstimo consignado, que tem parcelas descontadas diretamente na folha, é mais seguro para a instituição por representar uma garantia de pagamento.

Mas, no fim, a medida representa mais do mesmo como tentativa de combater a recessão, e ainda por cima dá às famílias um limite adicional de endividamento que supera as recomendações de qualquer especialista em finanças pessoais. Apesar de a própria presidente Dilma Rousseff já ter vetado, em maio, um aumento do limite do consignado de 30% para 40%, alegando risco de “comprometimento da renda das famílias para além do desejável”, o governo não esconde que espera ver o crédito adicional sendo usado para consumir, e não para poupar. Uma expectativa contraditória para um governo que aumenta os juros justamente com a intenção de conter o consumo e, com isso, segurar a inflação.

No longo prazo, a medida se mostra inócua como motor de crescimento, ao insistir em um modelo esgotado em vez de promover a poupança e o investimento. No curto prazo, será necessária muita disciplina por parte das famílias – muitas das quais carentes de qualquer educação financeira – para impedir que o novo limite se torne uma forma de comprometer mais 5% de sua renda em um cenário no qual a própria permanência no emprego se torna incerta para muitos brasileiros. Sem essa disciplina, a mudança pode acabar se revelando uma temeridade.

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