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Projeto na França tenta legalizar aborto até o nono mês de gestação em caso de “sofrimento psicossocial” da mãe.
Projeto na França tenta legalizar aborto até o nono mês de gestação em caso de “sofrimento psicossocial” da mãe.| Foto: Jess Lis/Free Images

Aproveitar-se de momentos em que todas as atenções estão voltadas para outros temas e usar linguagem intencionalmente genérica ou confusa são duas estratégias bastante utilizadas quando se trata de tentar legalizar o aborto mundo afora. Ambas acabaram de ser colocadas em prática na França, país que está a apenas um passo de, na prática, legalizar o assassinato de seres humanos indefesos e inocentes até o último momento da gestação.

A Assembleia Nacional – a câmara baixa do Parlamento francês, equivalente à Câmara dos Deputados brasileira – aprovou, na madrugada de 1.º de agosto, em segunda votação com quórum curiosamente baixíssimo (há 577 deputados, mas apenas 101 votaram – menos de 20% do total), a revisão da Lei de Bioética do país, e que inclui, entre outros temas, as circunstâncias em que o aborto pode ser realizado. Pela legislação atual, de 2011, a prática pode ser realizada por qualquer motivo no primeiro trimestre de gestação e, em qualquer momento da gravidez, em caso de risco para a saúde da mãe ou doença incurável do feto. Segundo o texto aprovado pelos deputados franceses, fica acrescentada a possibilidade de se realizar o aborto até o nono mês de gestação caso um grupo de médicos ateste o “sofrimento psicossocial da gestante”.

O que dizer do estabelecimento de um critério completamente subjetivo para decidir algo tão fundamental, como o direito de um ser humano a viver?

É no palavreado que está o truque, apontaram movimentos pró-vida franceses e internacionais, já que “sofrimento psicossocial” é um termo extremamente vago e que, em última análise, pode englobar praticamente qualquer insatisfação da gestante. Muitas circunstâncias em que legislações nacionais permitem o aborto se baseiam em questões objetivas – um diagnóstico médico que ateste uma doença no feto, ou o fato de a mãe ter concebido em decorrência de um estupro –, e mesmo assim nada disso atenua o fato de que o aborto estaria eliminando um ser humano digno de respeito e proteção. O que dizer, então, do estabelecimento de um critério completamente subjetivo para decidir algo tão fundamental, como o direito de um ser humano a viver?

Não é à toa que o movimento pró-vida em todo o mundo tem denunciado a proposta francesa como sendo, na prática, uma legalização irrestrita do aborto. Com a abolição de critérios objetivos para se autorizar o encerramento de uma gestação até o último mês, fica estabelecida uma espécie de “vale tudo”; afinal, como medir a angústia ou o sofrimento? Quem dirá se ele é genuíno ou forjado? Que médico tomará para si a responsabilidade de avaliar se os motivos apresentados por uma gestante disposta a abortar são razoáveis ou não? Ao introduzir a categoria do “sofrimento psicossocial” nas circunstâncias que legitimam um aborto, os promotores da morte conseguem a carta branca para que qualquer mulher possa conseguir um aborto na França, a qualquer momento.

Como o presidente Emmanuel Macron é um entusiasta da proposta abortista, o Senado francês é a última esperança de barrar o projeto, ainda sem data para votação. Uma vez transformado em lei, sobrará apenas a valentia dos médicos que exercerem a objeção de consciência. Mas mesmo esta salvaguarda está sob ataque. Há países, como os escandinavos, onde ela foi expressamente abolida; em outros, o médico que não quer realizar abortos é obrigado a indicar um colega que o faça, no caso de ser procurado por uma gestante disposta a matar seu filho. Até mesmo no Brasil tal exigência vigora, graças a uma norma técnica do Ministério da Saúde ainda em vigor e que força os profissionais que respeitam a vida humana no útero a se tornarem cúmplices de sua eliminação, uma cruel sutileza que muitas vezes passa despercebida. O projeto em análise no parlamento francês não trata do tema, mas o Código de Saúde Pública do país prevê a objeção de consciência, cabendo ao paciente encontrar outro profissional para realizar o aborto – ao médico objetor cabe apenas a obrigação de repassar as informações da gestante ao colega por ela escolhido. No entanto, também na França há mobilização de movimentos feministas para retirar essa importante garantia ao profissional de saúde.

A ofensiva abortista francesa mostra como não há nada de falacioso em afirmar que, uma vez aberta a brecha – seja permitindo o aborto até determinado estágio da gestação, seja restringindo-o a alguns casos específicos –, o mais provável é que na sequência se procure alargar os critérios até conseguir a legalização total. O abortismo não reconhece o momento da fecundação como sendo o do surgimento de um novo ser humano, mas também é incapaz de afirmar quando, então, se daria esse salto do “não humano” para o “humano”. Resta-lhe, assim, criar limites arbitrários, com algum embasamento “científico” (como o surgimento de determinadas funções no organismo), mas que no fundo são apenas ferramenta retórica para arrancar uma concessão inicial, a partir da qual os militantes buscarão cada vez mais, até desumanizar qualquer criança que ainda não tenha saído do ventre da mãe – ou até depois disso, como já propuseram o australiano Peter Singer e os defensores do “aborto pós-nascimento”. Também no Brasil isso vem ocorrendo, menos pela via legislativa e mais pela via judicial; os defensores da vida não podem jamais baixar a guarda.

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