Com tantos escândalos na conta do deputado Henrique Alves, é surreal que ele tenha unido situação e oposição em sua candidatura à presidência da Câmara

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Atribui-se à sabedoria judaica a história do rabino que, procurado por um homem que relatou brigas constantes na família, aconselhou-o a manter um bode na sala por um bom tempo, causando inúmeros transtornos. Quando o rabino finalmente permitiu a retirada do animal, todos ficaram aliviados e a harmonia voltou a reinar. Assim a expressão "bode na sala" passou a designar uma situação que desvia a atenção do verdadeiro problema. Mas, no caso do deputado federal Henrique Alves (PMDB-RN), favorito absoluto na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, o bode não está na sala, mas num quintal. E "Galeguinho" não está lá para desviar a atenção: na verdade, ele (involuntariamente, é claro) faz parte do problema real – as inúmeras denúncias nas quais Alves anda afundado.

O bode guarda uma casa em Natal (RN), cujo endereço é apontado como a sede da empresa de engenharia Bonacci, que tem como sócio Aluízio Dutra de Almeida. Ele era assessor de Alves até o início da semana, quando pediu exoneração depois de a Controladoria-Geral da União (CGU) apontar que a Bonacci estava envolvida em irregularidades verificadas em licitações superfaturadas do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), órgão controlado por Henrique Alves. A mesma empresa ainda teria sido beneficiada por emendas parlamentares do deputado, no valor total de R$ 600 mil, segundo o jornal Folha de S.Paulo.

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Como se não bastasse, de acordo com a revista Veja, o deputado ainda teria usado parte de sua cota de gastos parlamentares para alugar carros de uma empresa que está registrada em nome de um "laranja", mas, na verdade, seria de um ex-assessor do PMDB. E o jornal O Estado de S.Paulo ainda informou que Alves foi acusado de enriquecimento ilícito pelo Ministério Público Federal e está sendo investigado. Segundo o MPF, o deputado teria milhões de dólares fora do país, mantidos de forma ilegal.

Assim, chega a ser quase surreal ver um parlamentar que é alvo de tantas acusações e investigações praticamente confirmado na presidência da Câmara dos Deputados. A maioria que o governo detém na casa legislativa já seria suficiente para emplacar o nome de Alves, mas até a oposição resolveu abraçá-lo. O deputado esteve em Curitiba na terça-feira e recebeu apoio do governador Beto Richa (que é do PSDB) e membros da bancada paranaense, incluindo deputados do Democratas e do PPS, outras legendas oposicionistas. Na quarta-feira, outro governador tucano, Antônio Anastasia, de Minas Gerais, também prestigiou Alves. É verdade que a decisão tem uma boa dose de pragmatismo: sendo a consagração do deputado potiguar mais que certa, ficar do outro lado significaria perder o acesso a postos na Mesa Diretora da Câmara. Mas relevar desvios éticos para garantir uma "boquinha" é algo com que os eleitores que depositaram sua confiança em determinados partidos para que fizessem oposição certamente não contavam.

Aliás, se a oposição fecha os olhos às denúncias contra Henrique Alves, a situação e o próprio deputado já adotaram o cinismo descarado. Para o deputado André Vargas, do PT paranaense e candidato a vice-presidente na chapa de Alves, as denúncias são "absolutamente secundárias", embora não haja nada de irrelevante na exploração da indústria da seca e no desvio de recursos públicos – mas, em se tratando do partido que engendrou o mensalão, chega a ser até compreensível a tolerância com tais práticas, que eram inclusive conhecidas do deputado. Na terça-feira, em Porto Alegre, Alves disse saber desde 1986 que Almeida, seu agora ex-assessor, era sócio de uma empresa que participava de licitações. "Ele não recebeu recursos públicos, quem recebeu foi a empresa da qual ele era cotista. Não vejo problema nisso, tanto que o mantive esse tempo todo [13 anos] como meu assessor", disse o deputado ao jornal O Globo.

O ano de 2012 terminou com o atual presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), prometendo conflito com o Supremo Tribunal Federal na polêmica da cassação dos mandatos dos mensaleiros condenados. Parecia pouco provável que a Casa pudesse se rebaixar muito mais em tão pouco tempo. Mas, logo no início de 2013, a posse de José Genoino e a quase certa eleição de Henrique Alves, apesar do "Bodegate", mostram que, quando o assunto é a Câmara dos Deputados, o fundo do poço segue repleto de pás.