O "sequestro" do busto do ex-reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Flávio Suplicy de Lacerda, ocorrido em 1.º de abril, dividiu opiniões em Curitiba e no Paraná. O ato, que recordava os 50 anos do golpe militar de 1964, imitou episódio semelhante ocorrido em 1968. Mas, desta vez, os estudantes responsáveis prometem só devolver o busto se ele for colocado em um local apontado por vítimas dos militares, e com a identificação de que Lacerda foi "agente da ditadura" – o ex-reitor foi ministro da Educação entre 1964 e 1966.

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Em artigo no site da Gazeta do Povo, o sociólogo formado pela UFPR Bernardo Pilotto defendeu o ato como uma decisão dos estudantes, já que a remoção dessa homenagem a um "colaborador da ditadura" jamais viria de forma institucional. No entanto, o ato de 2014 também foi condenado inclusive por estudantes que participaram do protesto de 1968. O reitor da UFPR, Zaki Akel, em nota oficial, lembrou que o busto é de 1958 – muito antes, portanto, do golpe militar – e foi erguido em reconhecimento aos feitos de Lacerda como reitor da Federal (diversas unidades da universidade foram construídas ou reformadas durante sua gestão).

Os defensores da ação dos estudantes certamente lembrarão ocasiões semelhantes, como a derrubada de estátuas de ícones comunistas ocorrida quando os países da antiga Cortina de Ferro se livraram do jugo socialista (ou, mais recentemente, durante as revoltas na Ucrânia, neste ano); ou a famosa remoção da estátua de Saddam Hussein na Praça Firdos, em Bagdá, em 2003 – depois que a escultura foi tirada do pedestal por um tanque norte-americano, centenas de iraquianos decapitaram a estátua e a arrastaram pelas ruas da capital. Esse tipo de manifestação, no calor dos acontecimentos, é perfeitamente compreensível, assim como foi a atitude dos estudantes paranaenses em 1968. Mais questionável é sua repetição em um cenário de estabilidade institucional como o que vivemos agora.

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O reitor Flávio Suplicy de Lacerda não é a única vítima desse esforço de remover da vista do cidadão os sinais da ditadura militar. Em todo o Brasil, projetos de lei pretendem mudar nomes de ruas e instalações públicas que remetam ao período militar. O caso mais famoso é o da Ponte Rio-Niterói, cujo nome oficial (e pouco usado) é Presidente Costa e Silva. Em Belo Horizonte, o Elevado Castello Branco se tornará Helena Greco, em homenagem à primeira vereadora eleita na cidade. Em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad promulgou lei permitindo a troca de nome de ruas que recordem ícones da ditadura. Em Salvador, alunos e professores de um colégio estadual aprovaram a mudança de nome da instituição, de Presidente Emílio Garrastazu Médici para Carlos Marighella – ou seja, o nome de um ditador foi substituído pelo de um terrorista que buscava não a redemocratização do país, mas simplesmente a instalação de outra ditadura, comunista.

Essa iconoclastia, no entanto, é seletiva. Não existe absolutamente nenhuma movimentação para remover as homenagens a Getúlio Vargas – que também tomou o poder com um golpe de Estado, em 1930; também governou o Brasil ditatorialmente; também cometeu atos hediondos, como o de entregar aos nazistas Olga Benário Prestes, apesar de ela estar grávida e da consciência de que seu destino era o envio a um campo de concentração. Outro presidente autoritário, Floriano Peixoto, dá nome a uma capital de estado. O Brasil ainda tem ruas homenageando Fidel Castro, Vladimir Lenin e até o carniceiro Mao Tsé-tung.

A reação extemporânea às homenagens feitas a ícones da ditadura coloca diante da sociedade a questão: apagar a história ou aprender com ela? Compreende-se o constrangimento de viver em uma rua com o nome de alguém cujo único mérito seja o de ter atuado como torturador, como o delegado Sérgio Fleury; mas o que fazer nos casos de tributos prestados a quem deixou um legado misto, de atos condenáveis e também louváveis? O risco de promover uma eliminação pura e simples de todas as referências à ditadura é duplo: o de cometer uma injustiça ao negar o reconhecimento pelo que de positivo essas pessoas tenham realizado, e o de esquecer o mal que fizeram – e o esquecimento, como sabemos, ajuda a deixar as portas abertas para a repetição.

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