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Com apoio até de partidos oposicionistas, agora o Poder Legislativo está nas mãos de dois parlamentares que acumulam uma extensa lista de acusações por práticas ilícitas

Assim como na sexta-feira, quando o plenário do Senado elegeu Renan Calheiros (PMDB-AL) como seu novo presidente, ontem foi a vez de os deputados federais ignorarem as exigências mínimas da moralidade pública ao escolher Henrique Alves (PMDB-RN) para suceder o petista Marco Maia na presidência da Câmara dos Deputados. Ele recebeu 271 votos, contra 165 de Júlio Delgado (do PSB), 47 da também peemedebista Rose de Freitas, e 11 de Chico Alencar, do PSol. Com a votação de ontem, o Congresso Nacional completa o ciclo de autodesmoralização que começou na semana passada.

Esta Gazeta do Povo, neste mesmo espaço, recordou dias atrás as acusações que pesam tanto contra Alves quanto contra Calheiros, que agora passam a ingressar a linha sucessória da Presidência da República. Na ausência da presidente Dilma Rousseff e do vice Michel Temer, o Brasil passaria a ser governado por um deputado já condenado em primeira instância por improbidade administrativa, investigado pelo Ministério Público por enriquecimento ilícito e acusado, entre outras coisas, de desviar recursos para empresas comandadas por laranjas e de beneficiar, em licitações superfaturadas, uma empresa que tem um ex-assessor como sócio (e em cujo endereço fica uma casa guardada por um bode). E, na sequência, o país estaria sob o comando de um senador que já tinha sido "forçado" a renunciar à presidência do Senado em 2007 e que não desistiu dos métodos ilícitos de fazer política, tendo sido denunciado ao STF semanas atrás por peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso. Ainda pesam contra Calheiros denúncias de lobby em troca de apoio político e mau uso dos recursos da cota parlamentar.

Pior ainda é saber que deputados e senadores muito provavelmente não dedicaram um segundo sequer de consideração para com a opinião pública antes de colocar o Congresso Nacional nas mãos de duas raposas, já que as votações que consagraram Alves e Calheiros foram secretas. Pelo menos no Senado, o placar deixa claro que o alagoano recebeu votos de parlamentares pertencentes a partidos que, diante dos microfones, manifestaram apoio a Pedro Taques (PDT), lançado como alternativa a Calheiros. Na Câmara, legendas de oposição não tiveram a menor vergonha de escancarar sua adesão ao deputado potiguar.

A traição aos eleitores que esperavam da oposição que fizesse seu papel veio em troca de postos nas Mesas Diretoras das duas casas. Em vez de enviar à sociedade uma mensagem clara de descontentamento com a entrega do comando do Legislativo a políticos do quilate de Alves e Calheiros, as legendas oposicionistas preferiram mergulhar em negociatas para não perder um naco de poder que, no fim, não terá como fazer diferença ou facilitar o trabalho que lhe compete. É justamente esse tipo de comportamento, ainda mais condenável quando amparado pelo voto secreto, que desmoraliza a oposição diante do eleitor cansado dos desmandos do grupo hoje no Planalto.

O voto secreto no Congresso tem por objetivo proteger o parlamentar de possíveis retaliações por parte do Poder Executivo, e há ocasiões em que deve ser defendido. No entanto, não há razão para manter o segredo também em situações como as eleições para o comando das casas legislativas, ou a cassação de parlamentares. O cidadão tem pleno direito de saber se seus representantes endossam as práticas de corrupção promovidas por políticos como Henrique Alves e Renan Calheiros. Ao manifestar seu voto abertamente, o parlamentar fica sujeito à cobrança da imprensa e dos eleitores. É impossível saber se os resultados de ontem e sexta-feira teriam sido diferentes em caso de voto aberto – o grau de cinismo reinante no Congresso é tal que não se exclui a hipótese de um desfecho idêntico, talvez com leves diferenças nos números de votos; afinal, em Brasília é alta a confiança na memória curta do eleitor, que anseia pela moralização da política, mas, a cada quatro anos, segue elegendo os mesmos de sempre. As mais de 300 mil assinaturas colhidas em um abaixo-assinado on-line contra Renan Calheiros são um bom sinal, mas, sem que a indignação se transforme em consciência diante das urnas, as perspectivas para o país seguirão desanimadoras.

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