| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
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Um tema que vem provocando debates é a conveniência ou não de criar um programa de renda mínima, na forma de um auxílio financeiro para cada pessoa classificada como pobre ou miserável. No momento em que o Brasil está profundamente afetado pela pandemia do coronavírus, tanto em termos de saúde pública como em termos de recessão econômica, e caminhando para agravamento até o nível de depressão, a discussão ressurge na esteira da proposta em estudo no Ministério da Economia para criar o programa chamado “Renda Brasil”. O debate é importante, a polêmica é boa e o país precisa falar disso.

O debate honesto e de elevado nível técnico pressupõe o conhecimento dos termos do problema e da situação social brasileira em relação a dois aspectos comumente confundidos: a pobreza e a desigualdade. Embora estejam relacionadas, essas duas realidades têm significação diferente e consequências diferentes sobre as pessoas e seu padrão de bem-estar social. A pobreza é um conceito absoluto e diz respeito à insuficiência de renda para adquirir os bens e serviços mínimos necessários a um padrão de vida digno. São classificadas como pobres – ou miseráveis, conforme o estado de carência e precariedade – as pessoas e as famílias que não conseguem renda capaz de lhes garantir o padrão adequado de alimentação, moradia, educação, saúde e realização de sua condição humana.

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Por sua vez, a desigualdade é um conceito relativo à distância de renda entre as camadas da população que ganham menos e as camadas que ganham mais, que não se torna um flagelo social se a população das camadas de renda mais baixa tiverem um padrão de vida digno e não padecerem dos males típicos da pobreza. Há países no mundo, como a Finlândia, Dinamarca e Noruega, nos quais há desigualdade de renda entre as várias camadas da população, porém a população de renda mais baixa não é pobre no conceito das privações já referidas. Pelo contrário, mesmo para as pessoas que estão na parte inferior da renda pessoal, o padrão de vida é digno, não há fome, a moradia é boa, há escolas de boa qualidade para toda a população, a assistência à saúde é garantida e a velhice é relativamente confortável. São países em que as famílias de menor renda estão bem acima do padrão mundial de pobreza e miséria.

Pelas estatísticas oficiais, os pobres no Brasil somavam 52,8 milhões de pessoas ao fim de 2018, segundo o critério de mensuração usado pelo Banco Mundial, para uma população total que atualmente está em 211,6 milhões, segundo o IBGE. A recessão e o desemprego decorrentes da pandemia e da parada forçada na economia produzirão um contingente adicional de pobres e de miseráveis que vão piorar muito o quadro nacional, já bastante grave antes da pandemia. Foi durante a pandemia que o governo federal implantou o auxílio emergencial de R$ 600,00 por mês, válido por três meses, caminhando para ser prorrogado por mais três meses, talvez com o valor de R$ 300,00 por pessoa, como um programa de transferência de renda para amenizar a tragédia social provocada pela crise.

Um dos resultados da ação do governo, sobretudo no segundo trimestre de 2020, foi a consolidação de um cadastro nacional dos pobres e miseráveis, e o país passou a conhecer melhor os trabalhadores da economia informal, sem carteira e sem registro. Estando mais bem aparelhado em matéria de cadastro e informação, o Ministério da Economia anunciou que está fazendo estudos para criar o programa Renda Brasil com o valor R$ 300,00 por mês para 50 milhões de brasileiros considerados pobres ou miseráveis. O custo mensal desse programa seria de R$ 15 bilhões/mês, ou R$ 180 bilhões por ano, equivalente a 5,1 vezes o Bolsa Família, que deve chegar ao fim deste ano tendo custado R$ 35 bilhões/ano.

O primeiro questionamento é de onde vai sair o dinheiro para bancar o novo programa. A ideia inicial é que o Renda Brasil viria para substituir o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada, o Abono Salarial, o Seguro-Defeso, a Farmácia Popular, o Salário-família e eventualmente outros programas, todos com características de programa social de transferência de renda, cujo custo total somado ficam entre R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões por ano. Para financiar o valor faltante, o governo tem a opção de cancelar algumas renúncias fiscais resultantes de isenções tributárias a determinados setores, privatizar as empresas estatais que dão prejuízos e jogam o déficit sobre o Tesouro Nacional, mexer nas deduções por dependente e com gastos com saúde na declaração do Imposto de Renda.

De forma simplista há quem proponha pura e simplesmente aumento da carga tributária, em torno de 1% a 1,5% do PIB, para completar os recursos faltantes destinados a cobrir o programa Renda Brasil. O problema é que eventual elevação de impostos seria prejudicial à economia, sobretudo porque a boa teoria recomenda não aumentar os impostos retirados da população numa economia em recessão. Os elevados impactos da crise sanitária e do isolamento social, a queda na demanda, o grave desemprego e a fragilização das empresas recomendam não onerar ainda mais os trabalhadores e o setor produtivo, pois o dinheiro retirado das empresas e das pessoas é dinheiro a menos no consumo, nos investimentos e na produção, além de um duro golpe financeiro contra quem precisa se recuperar do baque sofrido com a pandemia.

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O fato é que o Brasil precisa reduzir a pobreza e a miséria, e o auxílio emergencial concedido durante mostrou que haverá dificuldade em terminar o programa, principalmente porque a recuperação do emprego e da renda será lenta, difícil e talvez inacessível para milhões de pessoas. Ademais, mesmo que milhões de empregos sejam gerados após a recuperação, a pobreza, a miséria e a desigualdade continuarão a existir e a macular a realidade social brasileira. O país não pode continuar ignorando o tamanho do problema, seja pelo sofrimento humano que significa, seja porque a população não deve continuar aceitando viver em uma sociedade com tantos pobres e miseráveis, como se isso fosse natural.