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Colocar as contas do estado em ordem é importante para dar tranquilidade ao gestor público, mas fazê-lo com os recursos do Tribunal de Justiça não nos parece uma boa ideia

É muita pressa. Os deputados estaduais, que estão em recesso, foram chamados com urgência para uma sessão extraordinária. Interromperão suas férias de inverno para apreciar, no máximo até amanhã, um projeto de interesse do governo estadual: o texto que autoriza o repasse de 30% dos depósitos judiciais para o caixa do Executivo, contornando uma proibição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quando houve a criação do Sistema de Gestão Integrada dos Recursos Financeiros do Paraná (Sigerfi).

Depósitos judiciais são recursos depositados sob juízo pelas partes envolvidas em uma disputa judicial. Esse dinheiro, relacionado à causa em questão, fica sob a guarda do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) até uma sentença final, quando a parte vencedora, então, retira o valor. Estima-se que haja R$ 6 bilhões em depósitos judiciais, uma pequena fortuna que o Executivo paranaense mira já faz algum tempo, pois traria um alívio ao caixa estadual em um momento no qual o governo está precisando equilibrar suas contas.

O TJ aprovou, em maio, um decreto que permitia à corte assinar convênio com o governo e depositar o dinheiro dos depósitos judiciais no Sigerfi. A seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) entrou com pedido de liminar no CNJ, que proibiu um eventual convênio entre TJ e Executivo. Na segunda-feira passada, o tribunal colocou em funcionamento um novo plano: aprovou o envio à Assembleia Legislativa de um projeto de lei que permite a transferência de 30% dos depósitos judiciais não tributários (aqueles que não envolvem a disputa judicial relacionada ao pagamento de impostos), desde que sejam usados em certas áreas, como saúde e educação. É este projeto que os deputados devem votar nesta semana.

No entanto, não haveria razão para cancelar as férias dos parlamentares; bastaria esperar o fim do recesso para dar o encaminhamento normal ao projeto. O procedimento também atenta contra a transparência: uma tramitação relâmpago não interessa à sociedade, que precisa saber exatamente qual é o teor do projeto e como ela será afetada por sua eventual aprovação. Mas antes o único problema fosse a pressa em fazer passar essa nova lei.

A pergunta que se faz é: é realmente prudente que o TJ decida entregar um dinheiro que, em última análise, não lhe pertence – afinal, trata-se de recursos de terceiros – para um governo estadual que está em situação financeira complicada? Ao agir assim, o TJ se comporta, na prática, como uma instituição financeira que faz uma aplicação de risco, comprometendo com um único cliente cerca de 20% dos seus recursos, algo que nem mesmo os bancos comerciais se atrevem a fazer. Além disso, apesar de agir como um fornecedor de crédito, o TJ não estaria submetido às regras que regulam a atuação dos bancos.

A preocupação com o caixa estadual é premente, e colocar as contas do estado em ordem é importante para dar tranquilidade ao gestor público. Nesse sentido, é preciso lembrar que esta Gazeta do Povo apoiou a criação do Sigerfi, que em nossa avaliação é uma boa ferramenta de gestão. O Executivo vem buscando outras maneiras de cortar gastos e equilibrar as contas, mas fazê-lo com os recursos do Tribunal de Justiça não nos parece uma boa ideia (como inclusive já havíamos ressaltado na mesma ocasião em que elogiamos o Sigerfi). Ainda mais quando essa cooperação é estabelecida de uma forma que praticamente impede o debate e faz pensar que já se trate de um fato consumado. Afinal, é um pressuposto da democracia que as coisas sejam feitas às claras – mas, infelizmente, não é o que acontece neste episódio.

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