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Por que é tão mais comum atacar apenas as consequências, e não as causas de um problema?

A Comissão de Segurança Pública e Direitos Humanos da Câmara Municipal de Curitiba devolveu ao vereador Rogério Campos (PSC) o projeto que criava ônibus exclusivos para mulheres durante o horário de pico. Os "panterões", como a população apelidou os veículos, que seriam pintados de rosa, representariam 20% da frota circulante durante a manhã e no fim da tarde. Detalhes orçamentários ou jurídicos à parte, o episódio traz consigo um questionamento: por que é tão mais comum atacar apenas as consequências, e não as causas de um problema?

O projeto do "panterão" tenta ser uma resposta à abjeta violência contra as mulheres, que não se manifesta apenas nos extremos da agressão física. Os dados sobre assédio levantados pela campanha "chega de fiu-fiu", e que foram publicados pela Gazeta do Povo em 10 de outubro, mostram que o problema é muito mais profundo, e envolve toda uma cultura que vê a mulher como objeto. Se a melhor resposta que temos a dar é segregar as mulheres em ônibus reservados especialmente para elas – solução, aliás, que é rejeitada por diversos grupos feministas –, nossa capacidade de reação contra os males da sociedade está muito danificada.

Não dizemos, com isso, que não se deva agir contra as consequências, enquanto não se eliminam as causas. Mas parece um tanto enraizada no brasileiro a convicção de que basta coibir as consequências enquanto as causas permanecem intocadas. As cotas no ensino superior, por exemplo, muitas vezes foram defendidas como uma "solução provisória" enquanto a qualidade do ensino público não chegasse ao nível das escolas privadas, para que todos os candidatos ao vestibular pudessem competir em igualdade de condições sem a necessidade de ações afirmativas. As cotas estão completando uma década de aplicação e indicadores como o Ideb mostram que, nesse período, o fosso entre escolas públicas e privadas no ensino médio não foi reduzido. Quando o que devia ser uma "solução provisória" tende a se eternizar, diminui o estímulo para atacar e eliminar as causas da desigualdade, afinal sempre haverá um mecanismo, mais à frente, que mitigará o problema.

Situação semelhante se verifica quando se analisam as chamadas "políticas de redução de danos", das quais as iniciativas voltadas a dependentes de drogas são o exemplo mais nítido da mentalidade que descrevemos. Panfletos que orientam as pessoas a se drogar, impressos inclusive com dinheiro público, são distribuídos com o argumento de que é preciso mostrar ao ­­usuário como não contaminar os demais com doenças como a Aids. Especialistas como o infectologista David Uip se mostraram contrários a políticas de redução de danos justamente por dar a entender que o verdadeiro problema (o uso de drogas, que degrada o ser humano) pode ser tolerado à medida que esse comportamento não prejudique terceiros.

Contra o machismo que reduz a mulher a objeto, contra o consumo de drogas, contra a péssima qualidade do ensino público, contra qualquer outra mazela social, é imprescindível resgatar a forte convicção de que o ataque às causas é tão ou mais importante que o enfrentamento das consequências. E essa é uma tarefa que não cabe apenas ao poder público, mas principalmente à sociedade como um todo, que também precisa vencer a tendência a olhar para o outro lado diante de certas situações. "Um homem que abusa das mulheres no ônibus não vai se comover com um panfleto educacional", argumenta, com razão, o vereador Rogério Campos. Mas pensará duas vezes se sua atitude desencadear uma veemente condenação social, e isso só pode vir de uma sociedade pronta para defender seus direitos, sem esperar todas as soluções de um poder público fiscalizador que, sabemos, não é – e nem tem como ser – onipresente.

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