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O crescimento depende fundamentalmente da confiança dos mercados e dos agentes privados, e o governo acaba de arranhar essa confiança

O Brasil amargou uma hiperinflação crônica e renitente que, em sua forma mais danosa, durou de 1979 a 1994 e tornou-se uma das principais razões do subdesenvolvimento e da pobreza. A tentativa de combater esse mal começou com o Plano Cruzado, em 1986, que apelou para várias medidas mirabolantes, indo desde congelamento de preços, salários e câmbio até o confisco de boi no pasto. O Plano Cruzado durou apenas um ano, quando explodiu por completo e deixou um rastro de graves distorções econômicas.

Seguiram-se mais quatro planos, todos incapazes de debelar a inflação por uma razão simples: nenhum tocou na essência do problema inflacionário brasileiro, que era a desordem total nas contas públicas e os déficits fiscais crônicos financiados por dívidas e emissão de moeda. Somente em 1994 o país viria a ter um plano capaz de pôr fim ao período de hiperinflação: o Plano Real, implantado no meio daquele ano.

O Plano Real deu certo por ser uma obra de engenharia econômica bem montada, mas também pelo fato de, pela primeira vez, o governo e a sociedade brasileira terem entendido que não era mais possível aceitar o triste papel de único país hiperinflacionário do planeta e seguir com uma gestão macroeconômica irresponsável e destrutiva. Foi a adoção do Plano Real pela sociedade que permitiu ao governo completar a obra por meio de um novo formato de política econômica, que passou a ser composto por um tripé: metas de inflação, câmbio flutuante e superávit fiscal primário.

O próprio PT, que antes votara contra o Plano Real, entendeu seu erro e Lula teve o mérito de entender que o plano e as bases da política econômica deveriam ser mantidos. Nisso há de se reconhecer o papel de importante fiador desempenhado pelo ministro da Fazenda de então, Antonio Palocci, mesmo contrariando algumas áreas do partido. O Brasil passou pelos dois mandatos de Lula sem que a inflação voltasse a ameaçar e, ainda que beneficiado por circunstâncias internacionais favoráveis, o país conseguiu a boa combinação de crescer, distribuir renda e segurar a inflação.

Hoje, poucos discordam do acerto na escolha do tripé da política econômica e, dentro do atual governo e entre os membros da equipe econômica – muitos dos quais vindos do governo anterior –, o modelo é aceito e defendido como sendo adequado para o projeto de desenvolver o país. Nesse sentido, era de se esperar que o governo não adotaria qualquer caminho capaz de macular as bases do modelo e lançar dúvidas aos agentes econômicos sobre os rumos da gestão macroeconômica. Infelizmente, foi o que aconteceu.

É lamentável que a manipulação na contabilidade pública feita para fechar as contas de 2012, repetindo prática já realizada no governo Lula, tenha sido levada a efeito, produzindo duas consequências: desconfiança dos mercados e dúvidas quanto a saber se ainda existe o tripé macroeconômico. O crescimento depende fundamentalmente da confiança dos mercados e dos agentes privados, e o governo acaba de arranhar essa confiança. Porém, além de gerar rasgos na confiança no modelo e prejudicar as decisões de investimento privado, as manobras escondem um problema real capaz de jogar lenha na fogueira da inflação: o déficit fiscal nominal.

Déficit fiscal somente pode ser pago com mais endividamento público ou emissão de moeda. Ambas as formas têm efeitos inflacionários, o que não é nada bom num momento em que o governo – de novo – não consegue manter a inflação no centro da meta (4,5% no ano). Além disso, inflação é monstro que não morre, mas apenas dorme enquanto duram os remédios usados para combatê-la e controlá-la. Não é doença curável, apenas controlável, e qualquer descuido pode provocar sua volta com todos os malefícios que dela derivam. A presidente Dilma precisa ser alertada para não repetir a dose nem ceder a práticas capazes de minar as bases da política econômica e a confiança do responsável pelo crescimento do país: o setor privado.

Por enquanto, o tripé está manco. Se nenhuma das pernas foi quebrada, a perna do superávit primário foi avariada e está prejudicada em sua tarefa de ajudar a manter a inflação enjaulada e controlada.

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