Enquanto todo o país se concentra nos efeitos sanitários e econômicos da pandemia de coronavírus, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, resolveu tirar da gaveta a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.581, na qual a Associação Nacional dos Defensores Públicos pede, entre outras providências, a liberação do aborto no caso de mães que tenham sido contaminadas com o zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. A ação tinha sido proposta em 2016, durante epidemia da doença – que, quando acomete gestantes, traz consigo o risco de que a criança tenha microcefalia –, mas foi retirada de pauta diversas vezes, diante da pressão de uma sociedade civil atenta a ameaças contra a vida humana indefesa e inocente. Agora, será julgada no dia 24 de abril.
Difícil enxergar na decisão de pautar este julgamento algo diferente de oportunismo da parte daqueles que, vendo a forma como o surto de Covid-19 monopoliza as atenções dos brasileiros, querem encontrar aí uma brecha para desferir seus ataques contra a vida humana. O Supremo, aliás, também deveria direcionar todos os seus esforços para as questões jurídicas envolvendo a pandemia; a corte já julgou a competência de estados e municípios para adotar determinadas medidas e a necessidade de aval de sindicatos para validar acordos de redução de salário e jornada de trabalho, mas ainda há uma série de situações que, havendo a devida provocação à suprema corte, deveriam tomar a dianteira nas preocupações dos ministros, como as restrições ao direito de ir e vir até mesmo dentro das cidades, o uso de dados da telefonia celular para identificar deslocamentos e aglomerações, ou a ameaça à liberdade religiosa oriunda daqueles que tentam derrubar o decreto presidencial que tratou as atividades religiosas como “serviço essencial”.
As mães com zika e seus bebês não precisam de eugenia; precisam de acolhimento e de todo tipo de apoio – psicológico, social, financeiro – do poder público e da sociedade
E neste caso não há um oportunismo qualquer, mas um oportunismo macabro, eugenista, que trata o nascituro como um ser indigno de viver por ser portador de um mal que está longe de ser incompatível com a vida, fato muito bem lembrado pela Advocacia-Geral da União no parecer entregue ao Supremo ainda em 2016. O Supremo, ao ter aberto as portas para o aborto de anencéfalos em 2012, já admitiu a eugenia, mas a ADI 5.581 quer ir além, negando o direito à vida também a portadores de uma outra doença que, apesar das dificuldades que traz, não inviabiliza o desenvolvimento da pessoa – e, uma vez aberta esta brecha, ela certamente serviria de base para se pleitear o aborto em diversos outros casos.
Como agravante, a ADI 5.581 quer até mesmo dispensar o diagnóstico de microcefalia para permitir o aborto; bastaria que a mãe estivesse infectada com o zika vírus para ter o “direito” de eliminar seu filho. É preciso lembrar que, durante o surto de zika na Polinésia Francesa, em 2013 e 2014, apenas 1% dos filhos de gestantes contaminadas durante o primeiro trimestre da gravidez nasceu com microcefalia; no Brasil, as piores estimativas apontavam para um número em torno de 10%. A microcefalia só costuma ser identificada na segunda metade final da gravidez, com o diagnóstico mais preciso no fim da gestação, mas os propositores da ADI nem consideram necessária a comprovação da doença no feto; basta a dúvida para que ele tenha negado o direito à vida, em verdadeira “eugenia preventiva”.
Por fim, ainda causa espanto o fato de a ADI 5.581 voltar à pauta do STF poucos dias depois de o presidente Jair Bolsonaro ter sancionado a Lei 13.985/20, que garante pensão vitalícia de um salário mínimo a crianças nascidas com microcefalia ou quaisquer outras consequências congênitas decorrentes do zika vírus entre 2015 e 2019. A lei é resultado de medida provisória publicada pelo próprio Bolsonaro no ano passado, e representa ação importante que pode ser repetida, já que o risco de novos surtos de zika continua existindo no Brasil, especialmente nos estados do Nordeste. Mesmo se considerarmos que a sanção da lei poderia facilitar a rejeição da ADI 5.581, por contemplar diversos dos pedidos feitos na ação, não se pode ignorar que a lei não deixa brechas para o aborto, justamente o principal objetivo dos mentores intelectuais da ADI, como a antropóloga e militante pró-aborto Débora Diniz.
Não ignoramos, em momento algum, a profunda angústia que acomete as mães nesta situação, seja quando ainda há dúvida sobre a saúde do filho, e especialmente depois da confirmação de um diagnóstico. Elas e seus bebês precisam de acolhimento e de todo tipo de apoio – psicológico, social, financeiro – do poder público e da sociedade. Mas negar a essas crianças o direito de viver por serem consideradas imperfeitas e fazer das mães cúmplices do triste fim dos próprios filhos é justamente o oposto do que se espera de uma sociedade civilizada, que dá valor à vida humana e sabe da importância de proteger especialmente os indefesos e inocentes.
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