| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

A briga pelo reajuste salarial do funcionalismo estadual do Paraná – mais especificamente, dos servidores do Poder Executivo – voltou à estaca zero nesta terça-feira, quando o governo pediu a retirada do projeto que concedia reajuste de 1%. Em uma decisão ditada mais pela conveniência político-eleitoral que pela responsabilidade fiscal, os deputados estaduais haviam aprovado, em primeiro turno, a reposição integral da inflação dos últimos 12 meses, correspondente a 2,76%, para servidores da Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas, Ministério Público e Defensoria Pública. Já no caso dos servidores do Executivo, a oposição pretendeu emendar o projeto vindo do Palácio Iguaçu para que eles também recebessem os 2,76% em vez do 1% proposto pelo governo. Derrotada na Assembleia, a governadora Cida Borghetti optou pela retirada do projeto, que voltará a ser apresentado no momento oportuno, segundo o líder do governo na Alep, Pedro Lupion (DEM).

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Resta saber o que a governadora fará caso a Assembleia aprove em segundo turno os 2,76% para Legislativo, Judiciário, MPE, TCE e Defensoria – na tarde de terça-feira, Cida anunciou a disposição de vetar qualquer reajuste que supere 1%. Em ocasião anterior, a Gazeta do Povo já explicou que não é saudável, ainda que seja legalmente possível, romper a isonomia entre funcionários de poderes diferentes aplicando porcentuais diversos de reajuste salarial; e também defendeu a aplicação do 1% como o reajuste possível neste momento, diante da possibilidade de os 2,76% comprometerem o caixa estadual com o descumprimento do que havia sido acertado com o governo federal em troca do abatimento de dívidas com a União.

O dinheiro que sobra em outros poderes faz falta ao Executivo

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Mas pouco se tem falado das circunstâncias que permitem a outros poderes oferecer 2,76% sem problemas enquanto o Executivo alega que só pode chegar ao 1%: a maneira como os recursos do contribuinte são repassados. Em vez de receber verbas correspondentes às respectivas previsões de gastos, Alep, TJ, MPE e Tribunal de Contas contam com porcentuais fixos das receitas estaduais – por exemplo, 3,1% para a Assembleia Legislativa e 9,5% para o Tribunal de Justiça. Isso apesar de a Constituição Federal vedar, no inciso IV do artigo 167, “a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa”, com exceção de porcentagens relativas a repasses de impostos estaduais e federais aos municípios, ou dos Fundos de Participação de Estados e Municípios.

Leia também: O reajuste possível (editorial de 1.º de julho de 2018)

Leia também: Um direito constitucional ameaçado pela corrupção jurídica (artigo de Cláudio Marques Rolin e Silva, publicado em 3 de julho de 2018)

A partir de 2011 – cumprindo acordo feito em 2010, no governo de Orlando Pessuti –, o governo estadual ainda incluiu no cálculo desses repasses o dinheiro recebido do Fundo de Participação dos Estados. Legislativo, Judiciário, MPE e TCE ficaram em situação financeira ainda mais confortável, enquanto o Executivo começou a enfrentar problemas. O dinheiro que sobra em outros poderes – e lhes permite oferecer 2,76% a seu funcionalismo sem grandes problemas, a exemplo do que já fez em outros anos, quando também concedeu reajustes maiores – faz falta ao Executivo na hora de fazer investimentos ou mesmo de oferecer condições melhores a seus servidores. Não à toa o ex-secretário da Fazenda Mauro Ricardo Costa chegou a falar, em 2015, de “ilhas de prosperidade num continente de dificuldades”.

Trabalhar para reverter esse cenário é certeza de indisposição entre poderes, e tentativas anteriores naufragaram rapidamente. Hoje, o governo não tem a menor intenção de se indispor com os deputados, e ninguém quer problemas com o Judiciário. Mas esse é um tema que precisará ser enfrentado mais cedo ou mais tarde, nesta época que exige racionalização do uso do dinheiro do contribuinte e coragem para vencer fortes interesses setoriais.

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