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O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa durante a abertura da primeira sessão plenária da Cúpula das Américas de 2022 em Los Angeles, na semana passada.
O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa durante a abertura da primeira sessão plenária da Cúpula das Américas de 2022 em Los Angeles, na semana passada.| Foto: Etienne Laurent/EFE/EPA

Ao contrário da Europa, que levou adiante um roteiro de integração regional que, de forma gradual, ao longo de décadas, culminou na criação e na expansão da União Europeia, as Américas jamais conseguiram chegar nem mesmo perto de um plano de cooperação continental. A fragmentação das nações americanas ficou bastante evidente na recente Cúpula das Américas, ocorrida em Los Angeles, e que esteve desfalcada dos mandatários de algumas das nações mais relevantes do continente: as ditaduras latino-americanas não foram convidadas pelo governo de Joe Biden, levando outros países governados pela esquerda, como o México e a Bolívia, a protestar enviando seus chanceleres ao evento, em vez dos presidentes; já a Argentina questionou publicamente a decisão norte-americana, mas Alberto Fernández esteve presente no encontro.

Como demonstrou reportagem recente da Gazeta do Povo, não é por falta de entidades que a integração falha – elas existem, e em número bastante razoável, embora muitas vezes com objetivos radicalmente diferentes. Por mais que não seja boa ideia repetir à risca o modelo europeu, que hoje padece de uma hipercentralização da qual alguns países-membros já se ressentem e que levou ao Brexit, o problema do continente americano é o oposto: à exceção, talvez, do Nafta (sucedido por um novo acordo entre México, Canadá e EUA) e da Aliança do Pacífico, outros blocos de natureza econômica patinam para conseguir até mesmo um nível aceitável de integração – é o caso do Mercosul, uma união aduaneira cujos membros vivem em pé de guerra a respeito de tarifas, isso quando não decidem adotar políticas protecionistas uns contra os outros.

A integração regional não é apenas questão de fomento à democracia e ao livre comércio. Há uma série de outros temas cujo tratamento necessita de entendimento multilateral, como o combate ao tráfico de drogas e a questão migratória

O Mercosul é uma boa demonstração de como o populismo de esquerda é o grande adversário de uma integração americana que cubra do Alasca à Terra do Fogo. Do ponto de vista puramente econômico, a esquerda sempre se opôs a quaisquer tentativas de abertura comercial, preferindo sempre o protecionismo – o brasileiro Lula e o venezuelano Hugo Chávez foram os principais responsáveis por enterrar de vez, em 2005, as discussões sobre a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), iniciadas em 1994, na primeira Cúpula das Américas. Apesar dos comprovados benefícios da maior inserção internacional em termos de crescimento econômico e geração de emprego e renda, governos esquerdistas latino-americanos continuam apostando no isolamento, como é o caso da Argentina sob o casal Kirchner e, agora, com Fernández.

E o fato de alguns governos de esquerda latino-americanos serem claramente ditatoriais reduz ainda mais qualquer perspectiva de integração. A Europa soube lidar bem com essa dificuldade, fazendo do compromisso com a democracia uma condição sine qua non para que um país aderisse ao projeto de integração. A Grécia, por exemplo, solicitou entrada na Comunidade Econômica Europeia (predecessora da UE) em 1961, mas o golpe dos coronéis em 1967 congelou as negociações, que só foram retomadas em 1974, com o fim da ditadura; o país aderiu ao bloco em 1981. A Espanha pediu sua adesão em 1962, durante o regime de Francisco Franco, mas só passou a fazer parte da CEE em 1986, mais de dez anos depois da restauração da democracia. Já nas Américas, o respeito à democracia como chave para a integração é grotescamente relativizado, como no episódio de 2012 em que os governos esquerdistas de Brasil, Argentina e Uruguai se juntaram para suspender o Paraguai e, com isso, permitir a entrada da Venezuela no Mercosul, apesar de o regime de Hugo Chávez não cumprir as condições da cláusula democrática do bloco. Essa relativização, aliada à falta de um grande projeto continental que seja claramente vantajoso para seus membros, reduz a pressão por uma transição democrática em países como Venezuela, Cuba e Nicarágua.

A integração regional não é apenas questão de fomento à democracia e ao livre comércio. Há uma série de outros temas cujo tratamento necessita de entendimento multilateral, como o combate ao tráfico de drogas e a questão migratória – discussão que, na Cúpula das Américas, chegou a render uma declaração conjunta, mas que ainda assim ficou prejudicada pela ausência dos presidentes do México, por onde os imigrantes ilegais entram nos EUA, e de Honduras, Guatemala e El Salvador, trio de nações das quais muitos desses imigrantes provêm. O populismo de esquerda, por certo, não é o único motivo a frear os esforços de entendimento regional – desinteresses temporários dos principais países do continente e a crescente influência chinesa também estão entre os fatores relevantes –, mas é um obstáculo que, hoje, torna impossível fazer das Américas um continente onde a integração seja capaz de trazer ampla prosperidade para toda a região.

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