Os brios de muitos brasileiros ficaram ofendidos quando um funcionário do governo israelense classificou o Brasil como “anão diplomático” em julho de 2014, quando nosso país condenou Israel por suas ações militares na Faixa de Gaza. Naquela época, a situação se resolveu com um pedido de desculpas formal do presidente israelense. Oito meses depois, a diplomacia brasileira parece fazer jus ao epíteto. Não por seu peso diplomático, mas pela maneira como o usa – ou melhor, como não o usa, ao fazer olhar de paisagem sobre o que acontece na vizinha e parceira Venezuela.

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Não se ouviu até o momento nenhuma manifestação firme da presidente Dilma Rousseff ou do Itamaraty em relação à total falência da democracia naquele país e aos atos de violência promovidos pelo presidente Nicolás Maduro contra opositores do bisonho regime que herdou de Hugo Chávez, inventor da estranha ideologia dita bolivariana, um certo “socialismo do século 21”. Já se passou uma semana da prisão arbitrária do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, sem nenhuma palavra crítica vinda do governo brasileiro.

Ledezma e outro líder oposicionista, Leopoldo López (preso há um ano), foram acusados de tramar golpe de Estado, embora o “crime” que cometeram e pelo qual pagam a pena de prisão, sem julgamento, tenha sido apenas o de fazer uso da credibilidade que lhes devota grande parte da opinião pública venezuelana para levar o povo às ruas para protestar contra as arbitrariedades do governo, que não se circunscrevem apenas ao plano político, mas avançam sobre a economia. Hoje, além da total desorganização da economia interna, com a iniciativa privada aniquilada e o mercado desabastecido até de gêneros básicos (a mais recente inovação bolivariana é a troca de petróleo por papel higiênico com Trinidad e Tobago), a Venezuela de Maduro suprime as liberdades de expressão e manifestação e mantém sob total controle o Congresso e o Judiciário.

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Além da total desorganização da economia interna, com a iniciativa privada aniquilada e o mercado desabastecido até de gêneros básicos, a Venezuela suprime as liberdades de expressão e manifestação e mantém sob total controle o Congresso e o Judiciário

O Brasil não teria nada a ver com isto? Deve respeitar a autodeterminação do vizinho e não se intrometer em seus assuntos internos, como afirmou Dilma Rousseff dias atrás? Sim e não, depende. Depende, na visão do governo petista, das semelhanças e simpatias ideológicas. O governo brasileiro não teve dúvidas, por exemplo, antes de condenar o impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo (que rezava pela cartilha bolivariana) e suspender o Paraguai do Mercosul, alegando violação da cláusula democrática do bloco. A suspensão permitiu o ingresso da Venezuela, sob as bênçãos do Brasil, Argentina e Uruguai, uma comunhão tripartite que promove ideais similares.

Por isso, a visão caolha e anã da diplomacia brasileira se queda no mais absoluto silêncio quando, sob suas barbas, o Brasil renuncia à natural liderança continental que lhe caberia exercer e não se pronuncia sobre as arbitrariedades que se perpetram na Venezuela. Esquece-se do cumprimento da mesma cláusula democrática invocada no caso paraguaio, que torna automática a exclusão do grupo de um membro que não respeite as regras democráticas.

A casuística diplomacia brasileira se alimenta claramente no estrabismo do PT. No ano passado, quando dos grandes protestos que tomaram as ruas de Caracas, ao fim dos quais López foi preso, o PT, em nota oficial, condenou “fatos e ações com vistas a desestabilizar a ordem democrática na Venezuela” e rechaçou “as ações criminosas de grupos violentos como instrumentos de luta política”. Agora, com a prisão de Ledezma, o Itamaraty vem à luz para afirmar que assiste ao fato com “grande preocupação”. Em nota risível, o Brasil incentiva os “atores envolvidos” a trabalhar pela paz e pela “manutenção da democracia” no país vizinho, como se democracia lá houvesse.

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A inação do Executivo levou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a cobrar pelo Twitter uma posição firme do governo brasileiro em defesa da democracia. Cunha não recebeu uma resposta direta, mas Dilma deu mais uma indicação de como pretende lidar com o vizinho ao nomear, como alto representante-geral do Mercosul, um expoente petista simpático a Maduro, o ex-deputado federal paranaense Dr. Rosinha.

Lamentável que o Brasil não se assuma como líder continental. Não se defende para o país um papel hegemônico ou imperialista, mas de uma nação à altura de sua importância quando se trata de defender princípios tão caros à democracia, vilipendiada pela vizinha Venezuela.