• Carregando...
Plenário da Câmara durante votação do segundo turno da PEC Emergencial.
Plenário da Câmara durante votação do segundo turno da PEC Emergencial.| Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados

As esperanças de que a Câmara melhorasse o texto da PEC Emergencial recebido do Senado eram quase nulas, mas ao menos havia alguma expectativa de que não se desidratasse ainda mais o projeto, depois dos cortes a que ele tinha sido submetido. Mas, assim como na reforma da Previdência os senadores também quiseram tirar sua lasquinha após a Câmara ter piorado o texto, desta vez a sequência se inverteu, e coube aos deputados abrandar ainda mais uma PEC que já estava muito aquém do necessário para torná-la realmente efetiva no combate ao descontrole do gasto público.

Para que não fosse necessário devolver a PEC ao Senado, os deputados aprovaram o texto-base idêntico ao que tinha sido recebido e trabalharam com as chamadas “emendas supressivas”, que retiravam partes da proposta – qualquer acréscimo exigiria que a nova versão da PEC fosse remetida de volta aos senadores. E foi graças a uma dessas emendas que a PEC Emergencial perdeu mais uma parte de seu efeito, em um processo que contou com a participação tanto da esquerda, ideologicamente comprometida com a irresponsabilidade fiscal, quanto do governo, preso ao corporativismo.

O país segue sem as ferramentas adequadas para conter a ameaça do descontrole fiscal nas três esferas de governo

Um destaque apresentado pelo PT previa a retirada de todas as medidas de contenção de gastos que haviam restado na PEC Emergencial. Essa alteração já tinha sido tentada no Senado, felizmente sem sucesso, mas havia chance razoável de que essa ideia prosperasse na Câmara, o que tornaria a PEC inútil em relação a seu objetivo principal, servindo apenas de lastro legal para a concessão de novas rodadas do auxílio emergencial. Além disso, Jair Bolsonaro, sempre solícito com os pleitos dos profissionais da segurança pública, se incomodou com a impossibilidade de progressões e promoções para policiais e militares e pressionou para que eles fossem poupados. No entanto, retirar apenas essas categorias da vedação prevista exigiria acréscimos ao texto, o que estava fora de cogitação. Entre liberar as progressões e promoções para todo o funcionalismo e mantê-las proibidas para todos, a escolha dos deputados era óbvia. Por fim, essa concessão foi oferecida para que o destaque petista não fosse aprovado.

A PEC Emergencial elaborada pela equipe econômica era uma ferramenta bastante interessante e que previa um ajuste fiscal bem mais digno do nome. Ela impunha redução real de gastos quando as despesas da União, estados e municípios atingissem níveis capazes de inviabilizar o funcionamento do governo, com medidas como a redução proporcional de jornada e salário para servidores, assim como tem ocorrido com os trabalhadores da iniciativa privada durante a pandemia de Covid-19. Não à toa a classe política, firme na crença na geração espontânea de dinheiro público, a engavetou por mais de um ano. Ela só foi ressuscitada porque era o veículo mais adequado para conseguir a extensão do auxílio emergencial, mas para isso foi preciso despi-la de quase todo o seu espírito. Sobraram apenas o nome e algumas poucas medidas que não reduzem despesas, mas apenas impedem que elas cresçam ainda mais – e mesmo estas, segundo especialistas, não devem ter eficácia e deixam brechas para que governos continuem ampliando gastos, inclusive em ano eleitoral.

O resultado é bastante previsível. Estados e municípios que tenham suas contas em estado crítico não terão nenhum incentivo para colocá-las em ordem, o que apenas prorrogará o caos que já se viu em estados com o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul, com servidores obrigados a receber salários de forma parcelada ou em atraso simplesmente porque o poder público não tinha recursos para cumprir suas obrigações. Se ao menos o Plano Mansueto original tivesse sido aprovado, ele compensaria parte das deficiências da versão final da PEC Emergencial, mas também esta ótima ideia foi destruída pelo Congresso e transformada no primeiro plano de ajuda a estados e municípios durante a pandemia, não sem antes correr o risco de virar uma “bomba fiscal” que cairia no colo da União.

O país segue, portanto, sem as ferramentas adequadas para conter a ameaça do descontrole fiscal nas três esferas de governo. Apenas colocou na Constituição uma quase obviedade: quando se está gastando demais, a primeira providência é impedir mais despesas. Mas o passo seguinte, igualmente necessário, não foi dado, e mesmo um governante consciente e responsável pode ficar de mãos atadas sem o respaldo legal para certas medidas que seriam eficazes na estabilização do orçamento. Bolsonaro chegou a afirmar que “o coração do projeto está sendo mantido”, mas, em comparação com o que a equipe econômica havia desenhado, seria melhor dizer que sobrou apenas a carcaça.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]