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O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, apresenta sua prestação de contas perante a Assembleia Nacional em Caracas, Venezuela (15/01/2024)
O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, apresenta sua prestação de contas perante a Assembleia Nacional em Caracas, Venezuela.| Foto: EFE/ Rayner Peña R.

O desejo de manter-se no poder indefinidamente é uma das características de todo líder autoritário. Independentemente da forma como um ditador chega ao posto de governante máximo, ele usará de todas as artimanhas disponíveis para permanecer no lugar, mesmo que isso signifique adotar os mais abjetos e vis estratagemas. No caso de países autocráticos que mantêm processos eleitorais, o desafio é garantir que a balança sempre penda para apenas um dos lados e que jamais opositores consigam chegar ao poder. E uma das estratégias mais comuns para isso é eliminar a oposição. O processo eleitoral permanece, mas expurgado da participação livre da aposição, se torna um jogo de cartas marcadas em favor de quem está no comando do Estado. Exemplos não faltam.

Em novembro de 2021, o ditador nicaraguense Daniel Ortega, conseguiu a “reeleição” vetando a participação de observadores internacionais e, o mais importante, dissolvendo partidos políticos e prendendo opositores, todos eles em posição de vencer caso pudessem concorrer (e caso não houvesse irregularidades na contagem dos votos, evidentemente). No poder desde 2007, Ortega fez com que sete candidatos da oposição fossem presos, todos acusados de "traição à pátria". Para sacramentar sua permanência no poder, Ortega, que já controlava o legislativo da Nicarágua, destituiu a alta cúpula do Judiciário do país. Na presidência da Corte Suprema de Justiça (CSJ), equivalente ao STF brasileiro, ele colocou a própria esposa, a vice-presidente Rosario Murillo, o que deve facilitar ainda mais a reeleição do ditador nas próximas eleições nicaraguenses, em 2026.

Que ninguém se engane: numa democracia verdadeira, jamais pode haver perseguição a adversários políticos.

Na Rússia, Vladimir Putin acaba de ser oficialmente registrado como candidato para as eleições presidenciais em março. Embora garanta que tenha apoio popular de sobra para se reeleger mais uma vez, a dura repressão contra opositores, intensificada após a invasão da Ucrânia, deve ser o real garantidor da vitória do autocrata. O principal ativista político crítico de Putin, Alexei Navalny, cumpre uma pena de prisão de quase 30 anos no Ártico por "extremismo" e outros crimes contra as lideranças de seu país. Já a pré-candidata independente Yekaterina Duntsova, contrária à guerra na Ucrânia, teve seu nome barrado pela Comissão Eleitoral Central da Rússia. A justificativa oficial foi que seu formulário de inscrição para participar da disputa apresentava erro de preenchimento. Outros pré-candidatos também foram vetados, como a oposicionista Yulia Galyamina, devido a uma condenação em dezembro de 2020 por realização de protestos que teriam “desrespeitado” a legislação russa. A vitória de Vladimir Putin é tão certa que porta-voz da Presidência da Rússia, Dmitry Peskov, chegou a dizer que a eleição era só uma “burocracia cara” e que Putin certamente será reeleito com “90% dos votos”.

A população venezuelana não merece ser obrigada a ratificar mais uma vez um ditador como presidente.

Outro exemplo, este muito mais próximo do Brasil, geograficamente falando, é o da Venezuela, onde Nicolás Maduro usa e abusa da máquina estatal e do Judiciário emparelhado para moldar o processo eleitoral conforme seu gosto, o que inclui determinar quem serão os candidatos da oposição que ele terá de enfrentar. Mesmo tendo ratificado um acordo em outubro do ano passado, sobre o qual já tínhamos alertado sobre o risco de não ser cumprido, garantindo que os partidos e organizações políticas da oposição teriam liberdade para escolher seus candidatos, o que se desenha é, mais uma vez, uma eleição cujos resultados são mais do que previsíveis.

Primeiro Maduro quis que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) fosse responsável por organizar as eleições primárias da oposição; depois, com a definição de María Corina Machado como candidata, foi a vez de a Controladoria-Geral venezuelana requentar uma condenação de 2015 por supostas irregularidades administrativas contra María Corina Machado e, sem nenhuma previsão legal, uma a pena de um ano imposta naquela ocasião foi reativada a pedido do chavismo e ampliada para 15 anos. A candidata recorreu, mas, sem surpresa, teve a inabilitação eleitoral confirmada na última sexta-feira (26) pelo Supremo Tribunal de Justiça (TSJ) da Venezuela. Henrique Capriles, duas vezes candidato à presidência do país, também foi declarado inabilitado para disputar cargos eletivos até 2032.

Um dia antes da decisão do TSJ, María Corina Machado foi acusada pelo presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, aliado de Maduro, de estar envolvida em supostos “planos de extermínio” de líderes do regime chavista. O porta-voz do governo, Héctor Rodríguez, também acusou a oposição do país de planejar um “golpe de estado”. Ele não apresentou provas. Segundo a Procuradoria-geral da Venezuela, outro órgão chavista, 32 pessoas, entre civis e militares foram presas, e 11 ordens de prisão emitidas contra supostos conspiradores. Entre os presos, três líderes de campanha de María Corina Machado, acusados pelo regime de Nicolás Maduro de “participar de planos conspiratórios e terroristas”.

Nenhum desses três países admite ser um regime autocrático, e uma das provas que apresentam para defender sua suposta índole democrática, é exatamente a existência de eleições. Mas quando se tem uma eleição esvaziada, onde os candidatos da oposição com reais chances de vencer são impedidos de participar através de medidas impostas por judiciários emparelhados com o Estado, onde a população não pode votar em quem deseja, não há como se falar em democracia – a menos que seja a “democracia relativa”, usada pelo presidente Lula para defender seu parceiro ideológico Nicolás Maduro.

Que ninguém se engane: numa democracia verdadeira, jamais pode haver perseguição a adversários políticos, seja expurgando-os, cassando seus mandatos ou impedindo-os de participar de eleições de forma arbitrária, contornando a lei e o devido processo legal. Por isso é muito bem-vinda a reação imediata da Organização dos Estados Americanos (OEA), que chamou a Venezuela de ditadura e afirmou que o regime de Maduro não tem intenção de realizar eleições “limpas e transparentes”. Outros países como Estados Unidos, Reino Unido, Argentina, Uruguai e Equador também se manifestaram contra a arbitrária exclusão de María Corina Machado do pleito venezuelano. Ainda é pouco, mas é um primeiro passo. Que a comunidade internacional, ao menos aquela que ainda partilha dos ideais democráticos, possa pressionar o governo venezuelano a cumprir o acordo firmado anteriormente, e assim abrir caminho para uma eleição mais limpa e livre. A população venezuelana não merece ser obrigada a ratificar mais uma vez um ditador como presidente.

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