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Alberto Fernández derrotou o presidente Mauricio Macri, que buscava a reeleição, neste domingo (27)
Alberto Fernández derrotou o presidente Mauricio Macri, que buscava a reeleição, neste domingo (27)| Foto: Alejandro Pagni/AFP

Após as primárias argentinas de agosto apontarem para a possibilidade de volta do kirchnerismo ao poder, esperava-se que o aviso servisse para acordar o país sobre os efeitos desastrosos da política econômica imposta à Argentina por Cristina Kirchner, a candidata à vice na chapa peronista encabeçada por Alberto Fernández. O alerta foi ouvido pela metade: o atual presidente, Mauricio Macri, saltou de 32% nas primárias para 40%, mas o aumento não foi suficiente para derrotar Fernández, que manteve a votação das primárias e conseguiu 48% dos votos válidos e conseguiu a vitória no primeiro turno – pelas regras argentinas, basta superar os 45% de votos válidos. O resultado e todas as circunstâncias que levaram a ele são prova de como o populismo, uma vez incrustado em uma sociedade, torna-se uma prisão mental da qual é muito difícil escapar.

Os dois mandatos de Cristina Kirchner foram um desastre econômico em todos os aspectos. O país se viu praticamente isolado do mundo em termos financeiros, tendo declarado moratória em 2014 e adotando uma política radical de protecionismo e controle cambial. A vida de importadores e de cidadãos interessados em comprar dólares para viajar ao exterior ou em adquirir produtos estrangeiros pela internet se tornou um inferno burocrático. O mercado paralelo de dólar apresentava cotações muito mais altas que o mercado oficial, e mesmo assim os argentinos se dispunham a pagar o ágio ou a fazer saques no vizinho Uruguai. As restrições às importações e as intervenções no mercado interno, chegando até mesmo à nacionalização de empresas, levaram ao desabastecimento de itens básicos – ainda que não na mesma intensidade observada na Venezuela. A manipulação das estatísticas de inflação tornou impossível confiar nos dados oficiais, e chegou a haver perseguição judicial contra economistas independentes que apresentavam suas estimativas para a disparada nos preços.

Mesmo a moderação prometida por Fernández ainda está longe de permitir à Argentina fugir das consequências econômicas do peronismo

Como é possível que a autora desta calamidade esteja de volta ao governo, ainda que em um papel – na teoria – de coadjuvante? É bem verdade que uma parcela do eleitorado continua rejeitando a ex-presidente, que, além de causadora do desastre econômico, ainda acumula alguns processos contra si. Fernández apareceu como alternativa para estes argentinos alinhados ao peronismo, com uma promessa de um governo mais de centro-esquerda, sem os radicalismos da antecessora e futura vice. Mas apenas a transição, a montagem do gabinete e o início do governo mostrarão quem realmente deve dar as cartas nos próximos quatro anos.

Macri, por sua vez, não ajudou a se estabelecer como alternativa viável ao populismo peronista. Ele tirou o país do default e o reconectou ao sistema financeiro internacional, mas não avançou na agenda liberal nem na velocidade nem na intensidade necessárias para tirar o país da crise profunda legada por Cristina Kirchner. Não realizou o ajuste fiscal necessário para tirar a Argentina do atoleiro, evitou privatizações e não enfrentou o corporativismo dos servidores públicos. Como resultado, o gasto público continuou descontrolado, com todas as consequências já conhecidas, como a persistência da inflação, agravada pelo fim das manipulações de preços nos serviços públicos. Ainda antes das primárias, Macri abandonou de vez o ideário liberal quando resolveu coibir o aumento de preços por meio de um congelamento. Com a derrota de agosto, o presidente adotou um pacote de subsídios, redução de impostos e pagamento de abonos a trabalhadores. Também não funcionou: populismo por populismo, os argentinos acabaram escolhendo os populistas originais neste domingo – e, nesta segunda-feira, o Banco Central já impôs fortes restrições à compra de dólares para evitar que a reação do mercado ao resultado da eleição desvalorize ainda mais o peso.

Eis o drama argentino. Aquele que foi um dos países mais ricos do mundo no início do século passado não consegue manter-se de pé economicamente há décadas, consumido pelo peronismo. A crença nos superpoderes do Estado como grande provedor de bem-estar social e hiper-regulador da economia ficou impregnada na mente argentina de tal forma que parece impossível de extirpar, a ponto de o autoproclamado presidente “liberal” responder à crise com medidas populistas e escolher um peronista como companheiro de chapa nestas eleições. Mesmo que Fernández realmente assuma as rédeas do governo, em vez de ser um fantoche de Cristina Kirchner, infelizmente a moderação prometida por ele ainda está longe de permitir à Argentina fugir das consequências econômicas do peronismo.

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