Lula volta a atacar a imprensa no Congresso, ignorando que os episódios que levam ao descrédito da política foram obra dos próprios políticos, inclusive do grupo lulista

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De tantas vezes repetidas, já viraram lugar comum as patéticas acusações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a imprensa. É ela, sempre, a responsável por todos os males; é ela que faz de mártir da incompreensão o petismo que aparelhou o Estado desde os primeiros momentos da inauguração de seus dois mandatos presidenciais. Afastado já há três anos do comando formal do país – que delegou à sucessora, Dilma Rousseff –, Lula não consegue se recolher à discreta dignidade apropriada a quem já se concedeu a honra de ser o representante máximo do país.

Outra vez deixou patente sua ansiedade ao participar, na última terça-feira, das solenidades comemorativas aos 25 anos da promulgação da Constituição promovidas no Congresso. Recebeu ali homenagens, muito embora, como deputado constituinte de 1988, tenham ele e a bancada de seu partido, o PT, se recusado a subscrever a Carta Magna. Lula, o mesmo que um dia afirmou que o Congresso era habitado por "300 picaretas", se desmanchou em elogios a José Sarney e aproveitou a oportunidade – cuja solenidade não deveria ser conspurcada pelo gênero de manifestações de que fez – para criticar a imprensa, acusando-a de "avacalhar a política".

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Seria de todo dispensável, até pela desfaçatez de suas afirmações, tecer quaisquer comentários. Em se tratando, porém, de um ex-presidente da República que, sem sombra de dúvida, ainda exerce poder e influência sobre os destinos da Pátria, é necessário fazê-lo. Até mesmo para lembrá-lo de que a "avacalhação" a que se refere não provém da imprensa, mas dos próprios políticos. À imprensa compete tão-somente exercer o seu animus narrandi dos acontecimentos e de, nos limites que lhe garantem a Constituição e o Estado Democrático de Direito, opinar e criticar.

Assim, não é da imprensa a autoria da "avacalhação" de tantos casos tornados públicos pelos veículos de comunicação, que de outra forma não poderiam agir senão em prejuízo do papel social que lhe é intrínseco. Não foi a imprensa que montou o escandaloso esquema do mensalão; não foi ela quem criou os sanguessugas, abasteceu de dinheiro ilícito os "cuequeiros" ou montou o grupo dos aloprados. Também não partiu da imprensa a ideia esdrúxula de criar cotas raciais no Legislativo, nem a de importar médicos estrangeiros para, supostamente, resolver o caos em que a saúde pública foi deixada – com a agravante de que a importação serve, subsidiariamente, para triangular o financiamento de ditaduras.

Teria sido a imprensa também a responsável por abrir as cornucópias do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar projetos megalomaníacos e inconsistentes, como os da cadeia X, do falido empresário Eike Batista? Foi a imprensa que inventou o sofisma de que o X da questão é que teria provocado a desconfiança internacional em relação aos rumos do país? E o uso da "criatividade contábil" para fechar as contas públicas, seria também criação da imprensa?

São intermináveis aquelas "avacalhações" da política que Lula atribui à imprensa. Mas citemos apenas mais uma: foram os jornais que absolveram da cassação um deputado condenado em instância final e já cumprindo pena de prisão por atos de corrupção? Certamente o presidente – que se confessa homem de poucas leituras – não se deu ao trabalho de registro que jornais e revistas, inclusive do exterior, dedicaram a vergonhoso tema.

Por tudo isso, chega a suscitar pena e desalento que um homem que tanta importância teve no cenário da redemocratização do país chegue ao ponto de manchar sua biografia com lorotas tão evidentes, falsas e descabidas. Mas é preciso reconhecer: Lula é um homem de convicções firmes – dentre as quais está a ideia de impor indireta censura à imprensa sob o cerimonioso nome de "controle social da mídia" (ainda defendido por seus herdeiros). No entanto, não é a firmeza com que alguém defende suas convicções que as torna legítimas ou justas. Um falsário convicto da história do país não deixa de ser um falsário.

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