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Editorial

A necessária reação do Congresso aos ataques à imunidade parlamentar

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O senador Alessandro Vieira, relator da PEC da Imunidade na CCJ do Senado, na sessão que votou pela rejeição da proposta. (Foto: Geraldo Majela/Agência Senado)

O Senado enterrou a PEC da Imunidade nesta quarta-feira, quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa aprovou, por unanimidade, o parecer do relator Alessandro Vieira (MDB-SE) que recomendava a rejeição do texto. Normalmente, isso já seria o fim da linha para a PEC, pois o Regimento Interno do Senado prevê o arquivamento automático de projetos rejeitados por unanimidade, mas o presidente da comissão, Otto Alencar (PSD-BA), pretendia submeter o assunto ao plenário para dar oportunidade a todos os senadores para que se manifestassem. Essa “sobrevida” foi recusada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que invocou justamente a regra regimental para encerrar de vez a tramitação.

A PEC 3/21 pretendia condicionar a abertura de qualquer processo criminal contra deputados e senadores ao aval da respectiva casa legislativa. Com isso, seria restaurada uma regra abolida em 2001, quando o Congresso Nacional, diante da pressão popular motivada por vários casos célebres de impunidade, alterou essa dimensão da imunidade parlamentar, a chamada “imunidade processual”. Além disso, a PEC previa votação secreta para permitir ou bloquear a abertura do processo, e estenderia o foro privilegiado a presidentes de partidos políticos. Vieira afirmou que a PEC “abre as portas para a transformação do Legislativo em um abrigo seguro para criminosos de todos os tipos”, inclusive para o crime organizado, argumentação acatada por senadores de todos os lados do espectro político-ideológico.

A Constituição já protege as manifestações dos parlamentares, mas os congressistas não têm sabido defender essa prerrogativa tão vital para a democracia

Apesar da aprovação na Câmara, o clima no Senado era amplamente desfavorável ao texto, e por isso o senador Jorge Seif (PL-SC) tentou uma solução pela qual as novas regras seriam aplicadas apenas a casos de “crimes de opinião”. Por mais que de fato exista uma perseguição ostensiva do Supremo Tribunal Federal a parlamentares críticos ao governo e aos abusos cometidos pelo Judiciário, a solução acabaria turvando ainda mais a situação. Aprovar a sugestão de Seif resultaria em um reconhecimento implícito de que seria, sim, possível levar parlamentares aos tribunais por seus pronunciamentos, e que a última barreira a protegê-los seria o voto dos colegas, quando na verdade essa barreira é a própria Constituição, que declara deputados e senadores “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” – destaque para o “quaisquer”. Esta é a outra dimensão da imunidade parlamentar, a chamada “imunidade material”.

E aqui está o centro da questão: a Constituição já protege as manifestações dos parlamentares, mas os congressistas não têm sabido defender essa prerrogativa tão vital para a democracia. O próprio Alessandro Vieira demonstrou não ter consciência do que realmente significa a imunidade por opiniões, palavras e votos, quando disse não haver perseguição, já que muitos discursos duros contra o Supremo não resultaram em processo (como se isso fosse uma bondade do STF, e não a aplicação do artigo 53 da Constituição), e que os casos em que parlamentares estão respondendo na Justiça se devem a ofensas pessoais que não estariam ligadas ao exercício do mandato.

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Pois é justamente aqui que Vieira se esquece de um fato crucial: a imunidade se aplica a “quaisquer opiniões, palavras e votos”. Isso significa, como já explicamos aqui, que mesmo falas que configurariam crime de calúnia, injúria ou difamação se ditas por alguém sem mandato parlamentar não são criminalizadas quando saem da boca de um deputado ou senador – inclusive André Janones, Gilvan da Federal e Gustavo Gayer, os três citados por Vieira. Mas, depois que a Câmara se rebaixou e aceitou a prisão de Daniel Silveira, em fevereiro de 2021, o Supremo viu ali a brecha para começar a perseguir qualquer parlamentar que fosse mais duro em seus pronunciamentos, chegando ao cúmulo de abrir inquéritos por afirmações feitas até mesmo na tribuna da Câmara, como aconteceu com Marcel van Hattem e Cabo Gilberto Silva por críticas ao delegado Fábio Shor, que por muito tempo foi um “braço direito” de Alexandre de Moraes na Polícia Federal, cuidando de inquéritos dos quais o ministro do STF é relator.

Com a PEC da Imunidade enterrada, o Congresso pode se dedicar àquilo que é verdadeiramente urgente: reagir com firmeza às investidas do Supremo contra a imunidade material dos parlamentares. Qualquer processo aberto contra um congressista por opiniões, palavras e votos – independentemente de seu conteúdo, de sua sensatez, de sua rispidez, do que for – é uma afronta direta à Constituição, e os congressistas precisam levantar a cabeça e responder à altura. Instrumentos para isso já existem: o artigo 53, parágrafo 3.º da Carta Magna permite a uma casa legislativa suspender processo criminal contra um de seus membros; há, também, a importantíssima e necessária CPI do Abuso de Autoridade na Câmara, que só não está funcionando graças à covardia de Hugo Motta. Deputados e senadores precisam recuperar a compreensão correta do alcance da imunidade que o constituinte resolveu dar às suas palavras, e ter a disposição de lutar para defendê-la, porque é graças à ignorância e à omissão que o arbítrio prospera.

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